BEIRE — Flash's

Calvário — as insígnias do Reino… 

1 — Ainda a "Festa de Cristo Rei"… Desde há muito que esta Festa Litúrgica me interpela. Ela encerra o ano litúrgico, dentro da Igreja Católica. Para dar lugar ao Tempo do Advento, como um tempo oportuno para preparar os caminhos d'o Senhor que vem.

Lembro que foram já muitas as variáveis de leitura interior que fiz desta Solenidade. Desde uma leitura de que, hoje, me envergonho, até esta que partilho. Bem mais bonita e generosa. Da "vergonha", destaco aquele prazer antecipado, com seu quê do sacana do meu ego que, penso, também atacou os discípulos de Jesus de Nazaré… Vejo isso, por exemplo, n'aquelas conversinhas, nas costas de Jesus, a imaginarem-se "ministros" de um rei que iria repor as (van)glórias de David ou Salomão… Ou ainda, na mãe de Tiago e João a pedir um lugarzinho de destaque para os seus meninos — um à esquerda e outro à direita (Mt 20, 20-28). Ai aquele gostinho vaidoso que eu experimentava quando, nas festas de algum Sumo Pontífice, eu lia (ainda em latim!…) aquele Deo servire regnare est — servir a Deus é reinar!… Sentia-me já a caminho de também eu vir a ser Seu ministro… Não para servir (no estar com os minis, os últimos, a cheirar a ovelha…), mas para pertencer a outra "ordem", outra classe de gente superior ao labrego que eu me sentia…

Com a chegada do Vaticano II (na Igreja Católica) e o 25 de Abril (no Portugal dos anos 70…), comecei a alargar os meus campos de consciência sobre estas coisas e a sentir a necessidade de desaprender muito do já sabido e a aprender muitas coisas novas. Sobretudo aprender a olhar com olhos novos muitas coisas que, até aí, só via com olhos velhos e que já nada tinham para me dizer. Nem sei quantas vezes comecei, sem nunca a concluir, uma crónica sobre «o meu reino não é deste mundo»… A elencar a existência de "outros reinos" que, a meu ver, fazem parte do Reino dos Céus — que sempre "está próximo" e "nunca mais chega". Porque a pesada "atmosfera relacional" em que tantas vezes vivemos não dá para que Deus possa viver aí

2 — «ISSO» de 'Reino de Deus'Sei que foi logo desde a primeira hora. Ver o Calvário, como «uma palavra tirada do Evangelho", cativou-me deveras. Fez de mim um apaixonado aprendiz do "admirador" que vos escreve… E aquele «não podemos deixar estancar a fonte» acabou por me levar à busca de «outras nascentes» — que não nos «atasquem», roubando-nos a vida que só «uma palavra nova» e bem «tirada do Evangelho» nos pode oferecer…

Queiramos ou não, o nosso Calvário (que já virou IPSS) também vai virar uma ERPI(1)… Mas eu tenho mesmo fé de que "tudo pode concorrer para o bem" do Calvário e daqueles a quem ele se destina. Urge é que quem por aqui andar, em serviço (que não apenas em busca de "galões" para mostrar ou um emprego para sobreviver…), ame mesmo a Vida que pulsa n'estes filhos que Deus nos mandou. E acredite que essa é mesmo a vontade de Deus para nós — sermos uma família para esta gente sem família (Rom 8, 28).

Traduzindo Pai Américo, a meu jeito, acredito visceralmente que «toda a ação social é também uma ação teológica»(2). Caso contrário, «já é só uma caricatura de ação social». Deus e César não são para ser inimigos… Mas para serem a face visível do Reino dos Céus. Uma "díade em construção" — interdependência permanente entre César e Deus. O imanente no trans(as)cendente. Como na alegoria da "moeda", a que Jesus sabiamente recorreu (Mt 22,21). Jesus mostrou-nos como se faz… Mas nós teimamos em não aprender…

Gosto de acompanhar o que vai acontecendo na grande "praça da ação social"… Alegro-me de ver que já começam a aparecer bons exemplos de bom entendimento…

3 — Como Tomé — ver para crer… Dada a crescente laicização da nossa sociedade, são cada vez mais os «ateus» que, a exemplo de S. Tomé, precisam de ver para crer. E cair de joelhos para ajudar as obras em que acreditam. Porque veem que, através delas, se vai construindo uma sociedade nova — mesmo que só com "soluções pontuais", porque para a "ação social" não há soluções definitivas…

Pode até suceder acreditarem que neste tentar ser família para estes filhos que nos cabe acolher, se manifeste / se torne visível a Obra de Deus (Jo 9,3). Isto é, um melhor bem-estar para os homens por Ele amados.

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1 — Só para lembrar: Uma IPSS é uma "Instituição Particular de Solidariedade Social" e uma ERPI é uma "Estrutura Residencial de Pessoas Idosas"…

2 — Gosto de saborear alguns exegetas do Novo Testamento. Ajudam-nos a ver que o "divino" em Jesus é a Sua fome visceral de "divinizar" o homem… Isto a tal ponto que, para defender a "Sua tese", Jesus Se deixa "humildar" / "humanizar" — «até à morte e morte de cruz». Coisa que S. Paulo não deixou escapar: «Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome. Para que, ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre — nos céus, na terra e nos infernos» (Fl 2, 9-10).

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]