BEIRE

O Outono no nosso calvário

1. Saber optar pelo mistério... Para lá de ser ou não ser "a estação mais bonita do ano", há factos contra que não há argumentos... É a sedutora policromia da folhagem nos vinhedos e em certas árvores privilegiadas. Por exemplo, basta pensar na vasta gama de falsos plátanos. Os tri, os penta e os epta dátil, a que o vulgo chama as 'noivas da floresta'. Basta ainda pensar na vasta gama dos carvalhos que entre nós se dão tão bem; ou ainda na também vasta gama dos olmeiros1. Sabem-no bem aqueles que já alguma vez, nesta altura do ano, pararam a com+TEMPL+ar2 as encostas do Douro vinhateiro ou os vales do nosso Gerês - sala de visitas de Portugal, para os nortenhos.

Aqui em casa, neste nosso Calvário, 'de sabor evangélico' (Pai Américo), temos de tudo um pouco. Logo à entrada, os falsos plátanos e as seculares carvalheiras. E as tílias, cujo verde alface quadra bem na tela do conjunto.

Esta noite choveu. Ventou. Porque levanto cedo, pude apreciar o espectáculo. As escadas da emblemática capela, concebida por P.e Baptista a partir de um velho espigueiro da quinta, com todo o encantador cenário em volta, tudo está atapetado de macias folhas multicolores. Pena que a fotografia não vos dê o que os meus olhos viram e meu coração experimentou. Era Deus a falar-me, naquele Seu jeito de dizer-me que também eu estou feito da mesma 'massa de Deus'... Uma 'massa' que toda se delicia na busca da Verdade, da Bondade e da Beleza. Senti-me um predilecto, a ouvir a voz do Pai - este é o meu filho bem amado; para ele criei este quadro que trans(as)cende...

Tenho de marchar. A vida chama por mim, em outros lugares. Uma vida encarnada (às vezes tão mal encarnada!) nestes Seus filhos, marcados por deficiências que me falam das nossas irreverências para com ela, neles. Rumino. Estas folhas, depois de cumprir a sua missão, a dar mais vida, brindam-nos ainda com este festivo despedir-se do seu posto, em danças coloridas até repousar inertes no chão, atapetando tudo de festa. Saco o tlm e registo, como quem tenta o impossível - levar até vós AQUILO que...

Recordo que, no Outono, está o "mês das almas"; está o "dia dos mortos" - a que a Santa Madre Igreja chama Festa dos Fiéis Defuntos. Porque aceita que "àqueles que acreditam no Senhor Jesus, a vida não lhes é tirada, mas apenas mudada"... E dou-me conta de que também a Festa de Todos os Santos brilha num mês de Outono. Salta-me o genial Einstein. Esse que, visto por uns como um destacado crente é visto por outros como um descrente que desobedeceu à Igreja embrenhando-se por caminhos que a Igreja de então parece que temia. Ouço-o: - Frente à vida, não temos outra opção; ou nada é mistério ou tudo é mistério!... Encanta-me saber que Einstein optou pelo tudo é mistério. ISSO que hoje dá pelo nome The Common Good of Humanity, para o bem de todos nós a quem compete ir desvendando, desvendando, desvendando.

2. Uma visita ao nosso Campo Santo. P.e Telmo não dispensa esta devoção popular e ancestral. Gosto que seja assim. Também eu tive a sorte de habituar o meu coração a encontrar prazer no cumprimento deste preceito do Senhor - ver mais vida onde tantos já só vêem a morte... (Sl 119, 12-22). Na véspera, Dia de Todos os Santos (que a miopia religiosa teima em transformar num choradinho dia dos mortos...), P.e Telmo explicou a diferença entre Todos os Santos e Fiéis Defuntos. Convidou a todos para, no dia seguinte, nos acompanharem numa visita ao nosso Campo Santo. Porque, explicitou, temos lá umas largas centenas dos doentes que, aqui no Calvário, viram a sua vida de abandonados por todos ser transformada em vida bem acolhida - para que, ao menos pudessem morrer com a dignidade que lhes foi negada em vida (Pai Américo).

Nesse Dia de Todos os Santos, foi P.e Rafael quem nos brindou com uma bonita homilia. Começou por brincar com a sua situação de doente, no Calvário.

- Já que aqui em casa eu não faço nada, Pai Telmo e P.e Rocha (que presidia à celebração), mandaram-me, ao menos, preparar a homilia... E explicou para a gente o bonito que é termos assim uma Família tão alargada que se estende da terra ao céu - Igreja padecente, Igreja militante, Igreja triunfante.

Ai que bem me soube ver/ouvir falar destas coisas sérias assim num tom tão levezinho que até dá gosto pertencer à Família...

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1 - Por falar em olmeiros, não resisto a contar-vos a lenda do olmeiro branco. Ei-la: O vento, a água e a vergonha eram três amigos inseparáveis. Quis o destino que um dia tiveram mesmo de afastar-se. Houve que fazer um pacto: Aproveitar todas as oportunidade da vida para ver se conseguiriam voltar a encontrar-se. Diz o vento: - A mim, se me quereis encontrar, procurai um olmeiro branco. - Pois a mim, procurai onde houver juncos, que logo vos dirão. Vai a vergonha e sai-se com esta: - Pois a mim, se me perdeis, nunca mais me ireis encontrar...

2 - Contemplar é entrar no  templo dos mistérios da vida e deixar-se ficar ali, como quem saboreia a grande dádiva que a vida é. ISSO que, em nós como em toda a Criação, começa por ser biologia - mais ou menos mecânica; mas que, no ser humano, traz consigo o condão de desafiar cada um a fazer da biologia que lhe cai em sorte uma belíssima e irrepetível Biografia - para honra e glória do Deus do Universo, neste Universo de Deus.

Um Admirador