
BEIRE - Flash's
O cantinho do Sr. Manuel...
1. A esperança é já uma festa. Cada vez que passo ali, os olhos reveem, os ouvidos tornam a ouvir, o coração veste-se-me de esperança. Acredito que, já para breve, "o sol brilhará para todos nós". Sem distinção de cores da pele, nem de credo, clube ou partido. Todos! Porque todos homens por Deus amados (Lc 2,14). Fazem-nos falta aqueles que, por manobras não sei de quê nem de quem, foram arrebanhados daqui ao engano e ainda não puderam voltar. Mas, a esperança é já uma festa.
O sol, a espreitar ali ao longe, anuncia a festa de um lindo dia. O chão da avessada, renovado de primaveras, parece um céu estrelado. São as gotinhas do orvalho da noite que, sob a acção daqueles reflexos, brilham e rebrilham. A cada inclinação minha - esquerda, direita, prá frente ou pra trás, para baixo e ou para cima - tudo se apaga, tudo reacende, tudo brilha e rebrilha. Um bocadinho de Céu na Terra! Que bom poder ser/estar assim de bem com a vida...
Dou graças por ter sido inscrito (depois, eu mesmo me reinscrevi!) nesta Escola do Divino Mestre. Esse Filho do Carpinteiro que, lá na Galileia daquele tempo, ensinava a ver o Pai do Céu nos lírios do campo - e nas gotas do orvalho... Esses lírios que "se vestem melhor do que o rei Salomão" (Mt 6, 24-34). Esse Pai do Céu que manda a chuva sobre justos e injustos. Esse Carpinteiro que, em menino, ouvia os Salmos e aprendia a cantar as maravilhas saídas das mãos do Deus de Abraão, de Jacob e de Isaac. Esse Nazareno que encantou os pequenos - a quem o Pai revela coisas que esconde aos grandes. E escandalizou a sacerdotes do templo, escrivas, fariseus e doutores da lei - mais interessados em mandar cumprir leis por eles inventadas do que em estar com quem quer crescer para a vida...
Paro-me a meditar: Ele encantou e desbaratinou meio mundo. Ninguém Lhe ficava indiferente. Todos eram mexidos - a favor d'Ele (que passou fazendo o Bem) ou contra Ele (cuja vida punha em causa os instalados nela à custa do sangue dos outros). Mas todos eram mexidos. Depois é que veio a mornidão: nem quente nem frio. Papo cheio, a ver a banda passar...
Esquecido isto, criamos uma cultura da indiferença. Sem saber que os tíbios eu os vomitarei (Ap 3, 15-16). Cultura do quero lá saber de... Cultura da angústia do já nada me diz nada. Cultura para repasto das farmacêuticas, psicoterapias e parques de lazer...
Assusto-me. Porque isso pode ser um grito deles - ... ainda não vi nesses que dizem interessar-se por Ele, ainda não vi nada que valha a pena... Nada que, qual Sopro do Espírito, me consiga arrancar daqui, me consiga empurrar para fora desta mornidão, desta tibieza, desta indiferença.
Fico-me a ruminar. Sou um sortudo. Leve como o vento, sinto-me impelido por esta Causa do Homem - a única Causa de Deus que, creio-o firmemente, é a única coisa que a Ele verdadeiramente interessa. A Ele. A Pai Américo. A tantos que...
Mas ainda não há tantos quantos URGE que haja - porque faltam operários para esta vinha (Mt 20, 1-16).
2. Aquele lugar é-me "sagrado"...(1) Quando passei por ali a caminho da avessada, o sol espreitava por detrás da serra. Espreguiçava-se a estender os primeiros raios desta manhã por entre as árvores. Havia frechas que já chegavam até mim. Senti-me beijado e com fome de beijar também. Beijar o sol, beijar aquela manhã promissora, beijar aquele Deus Abba(2) que derrama assim sobre todos e cada um esta bênção de esperança que não deixa o mundo parar às escuras, com medos de Covid's, da (in)segurança social, dos corruptos que, aproveitando-se do medo de uns, tentam a sorte - a ver se pega...
Com este beijo(3) sagrado, tudo acordou em mim. Tal e qual naquele dia em que, naquele mesmo lugar, vi o Sr. Manuel, sozinho, no meio da mata. Estava numa posição de verdadeira estátua orante - mãos em dádiva e acolhida. Vi. Deslumbrado pelo que via e receoso de profanar um momento que, imaginei-o, estava a ser sagrado para o Sr. Manuel. Com o jeito de que fui capaz, juntei-me ao sagrado dele e tentei ser irmão - na Fé, fosse ela qual fosse... - Sr. Manuel, o nascer do sol!...
Não foi preciso mais. Sem mudar a postura corporal, desviou ligeiramente o olhar para mim, sorriu e, como que monologou - A Natureza!... Afastei-me tocado pelo mistério destes nossos doentes, neste nosso ambiente que ainda não sofre da vulgaridade das obras semelhantes... Senti de novo aquela emoção de deslumbramento - um doente daquele tipo, ali assim, mais orante do que eu...
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1 - Gosto da palavra - sagrado. Tornado sacro. Isto é, sinal visível (sacramento!) de ALGO invisível que chama por mim para O Bem Comum da Humanidade. The Common Good of Humanity, como se diz agora... Isso que ainda ninguém viu mas que, acreditamos, já SE vai ver...
2 - Pois! Abba foi o nome hebreu que Jesus deu a este Mistério Central da Vida que, em cada dia, nos com+VIDA a não parar no trabalho da construção do Reino dos Céus, por Ele anunciado...
3 - Num beijo ninguém percebe // se o maior amor // está em quem o dá // ou em quem o recebe...
Um admirador