BEIRE - Flash's

A barba do Carlitos...

1. - (...) É "ISTO" que não se pode perder... Gostava de saber apresentar-vos o nosso Carlitos. Que, no dizer dele, se chama José Carlos Carlitos. Ainda que, no registo dele, só apareça Carlos... 1960, de pai incógnito e mãe anormal. E ele atrasado mental... Nessa altura, a lei ainda permitia ferretes desta natureza, aferrados à vida de uma pessoa diferente. N'isso, já nós crescemos alguma coisa!

Está connosco desde os seis anos. Não sabe nem idade nem de onde veio. Palavras como pai, mãe, irmão, nome de alguma terra que..., nada nele faz lembrar uma família de que, já alguma vez, se tenha sentido membro de pertença... Curioso é que, se lhe falam em morrer, aí aparece logo uma forte reacção: - Não vou morrer não. P.e Carlos é que manda... Eu não vou nada morrer... Parece que ao menos o nosso P.e Carlos terá deixado nele algum rasto de doces recordações. Já tem no Céu quem o defenda.

Se lhe mexem lá nalguma de suas múltiplas feridas de não existência, Carlitos reage. Até com alguma agressividade. E, se tiver por onde, logo se escapa e vai a berrar por aí fora... Depois, a pouco e pouco, vai baixando o tom de voz até que se canse ou lhe apareça algum lixo no chão e lhe corte aquele comportamento rígido, de que tem dificuldades em sair...

Passada a onda, tudo volta ao normal - o nosso Carlinhos é um doce. Sorri e fica à nossa beira, em silêncio, parado, como que a tomar a sua dose de proximidade - uma necessidade que nos é comum. Preciso é saber aproximar-se dele com um jeito que ele sinta como RE+speito, aceitação e reconhecimento pela sua d+IGNI+dade(1). Lembro D.Margarida - sr. Padre, temos de ter paciência. São estes os filhos que Deus nos mandou... Uma dor, um encanto e um 'mistério' - porque sinal de contradição... Para que neles se manifeste a glória de Deus (Jo 9,3).

Hoje, ao passar no corredor, entre os quartos, quase às escuras, estava o Carlitos meio vergado (ele é altito) e o Nána (muito pequenino) a fazer-lhe a barba. Máquina de barbear numa das mãos e a outra, com a ternura que lhe é peculiar, ia puxando a cara e a cabeça do Carlitos para a posição que lhe dá mais jeito à operação. Carlitos, qual doce cordeiro, deixa-se conduzir. Um quadro digno de registo.

P.e Rafael e eu paramos a ver o quadro... Impelido não sei por que força, aponto a cena e disparo: - É "ISTO" que não podemos deixar perder, P.e Rafael... Porque, na vulgaridade das obras semelhantes, não aparece nada d'ISTO. Mais que acção social ISTO é acção teologal...

2. Roupa suja, xuxus, abóboras & C.a... Com flash's assim, de verdadeira RE+velação do divino entre nós, eu fico mexido até às entranhas. Não há "profeta" que possa ficar calado frente à barbaridade de uma lei que permite e tenta justificar o que aqui se passou em novembro e dezembro de 2018. A d'IGNI+dade de um SER Humanizando, mesmo que com alguma deficiência, não pode ser violada. É crime de lesa-majestade... A majestade de um filho de Deus!

Tocado, sinto-me ainda mais da Causa do Calvário - libertar da ignominiosa opressão os indefesos oprimidos pelo abandono dos irmãos. Repasso cenas que vale a pena - nelas se vê a presença ignorada de Deus. Mas a vulgaridade não consegue ver. Há que dar as mãos. Em sinodalidade. Porque as obras de Deus não são de quem as governa. Sim, de quem as ama. Penso no teólogo A. T. Queiruga - Repensar la revelación; la revelación divina en la realización humana.

Daqui mesmo de onde escrevo, vejo a Tinita a arrastar o cesto da roupa suja - da casa das senhoras para a lavandaria. Irradia felicidade. Ai se lhe tiram esse serviço - do pouco que ainda é capaz de fazer! - (...) mas eu quero levar... Vejo o Zé (o Sem Nome...) juntar e apanhar as folhas que entapetam (e enlameiam...) o nosso chão. Outro português feliz. Se duvidam, venham ver e ouvir as risadas dele. Vejo a Julieta - o meu braço direito no aproveitamento de abóboras, xuxus e quejandos que ameaçam perder-se. Obra de doentes... para... pelos... E dou graças por ainda ver... Há quem, de tanto fechar os olhos, já não consiga ver...

3. "Mais amor e menos polícia"... Paro em Vigo, na Estación de Autobus. Aproveito para ir ao wc. Entre a pouco edificante literatura própria desses lugares, vejo um colorido + amor e - policia. Lembro que também já padeci desse gosto duvidoso - escrever receitas moralizantes, para descarga da minha consciência pesada por não praticar aquilo que acho que é preciso pregar... Coisas do género que entram portas adentro, via WatsApp - Por um mundo com menos dedos apontados e mais mãos estendidas.

Sim. Tudo verdade. Mas só, de mãos bem unidas - vamos testemunhar com palavras, actos e omissões. Para que, se não acreditarem nas palavras, possa esbarrar com as obras...

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1 - Deixem-me insistir: A nossa "dignidade" é algo inscrito no nosso SER de gente. Não depende de nós nem dos outros. Foi-nos dada como prenda do nosso nascimento. Deu-no-la o Senhor da Vida. ESSE que nos tira do nada, nos molda do barro - para nos tornarmos pérola preciosa, palavra irrepetível, única em toda a Criação. Podem privar-nos do direito a sermos RE+speitados, mesmo quando deficientes. Mas não podem roubar-no-la. Mesmo no exílio para onde nos levem a nossa dignidade e o nosso direito a ela vão connosco.

Um admirador