BEIRE - Flash's

Um besouro na capela...

1 - Já inerte, debaixo do altar... Entro na capela, em horas de ninguém. Vou em busca do meu suculento tempinho de Estar Com migo - na minha, tantas vezes esquecida, imanência a abarrotar de fomes de transcendência. Sento-me em frente ao altar que, na minha grelha de leitura judaico cristã, me fala da Sagrada Mesa em que se serve o Pão descido dos Céus. Único capaz de saciar as nossas fomes de Verdade, de Beleza e de Amor. Porque "nem só de pão vive o homem" (Mt 4,4). Daí que todos, independentemente das crenças de cada um, todos precisamos do Pão descido do Céu e também do pão nosso de cada dia, nascido da terra e do trabalho do homem. Essa díade que é o utópico The Common Good of Humanity, pão do espírito e pão do corpo, tão fácil de blablablazar, nas altas esferas das nações, mas tão difícil de conseguir nas práticas do nosso quotidiano. Porque o nosso "pequeno eu" (nossa imanência) sempre quer dominar - ser rei e senhor! - desse também nosso "Eu profundo" - o autêntico e verdadeiro, onde residem as respostas à nossa fome de transcendência. The Common Good of Humanity - será, então, aquele Bem Comum indispensável a todo o ser humano - nascido para humanizar(-se), da sua transcendência e divinizando(-se) na sua imanência.

Bem Comum - The Common Good!... ISSO que, quer nas ciências exactas quer nas ciências do homem, ainda não conseguimos chegar a um com+senso, a um a+cor+do - porque não sabemos dar as mãos, dar o cor+ação. Mas esse caminho (odos) é o gesto sine qua non para produzir a sin+odalidade urge encontrar. E ISSO acabaria com todas as guerras - porque, todos de mãos dadas, já não haveria mãos para pegar em armas...

Os meus olhos imanentes param-se num besouro (abelhão) que está ali no chão. Inerte. Mesmo debaixo do altar. Largo tudo e vou com ele. Transcendo-me. A ruminar cenas de infância, na minha relação com estes insectos - que acho de uma beleza inaudita. O aveludado daquele corpo! O preto carregado que contrasta com o amarelo vivo daqueles dois cordões que o dividem a meio do abdómen para as asas e logo outro das asas para a cabeça. Memórias de menino enternecido porque o besouro - tão bonito - está morto!... Penso até que terá sido um besouro assim que levou Enrique Fabre a responder daquele jeito à provocadora pergunta: - Mas tu, Enrique, acreditas mesmo que Deus existe?!... Ao que ele, todo bom humor, responde: - Eu não. Eu vejo-O em toda a parte...

2 - Voluntários aprendizes de... De reflexão em reflexão, dou comigo a cantar: Não podemos caminhar sem pão e sem amor... Para concluir que uma qualquer filosofia laica e dogmática ou uma qualquer filosofia dogmaticamente religiosa mutilam a própria investigação científica... Porque a sua preocupação já não é a busca da Verdade, da Beleza e do Amor - essência da Vida que emerge do imanente para transcendente. Esses dogmatismos querem, sim, é mostrar, provar e demonstrar que a Verdade, a Beleza e o Amor se reduzem àquilo em que acreditam - as ciências exactas... Este nosso pequeno eu é mesmo um sacaninha, que dá razão a Gandhi quando afirma que "o ser humano tem muito maior capacidade de se enganar a si próprio do que de enganar os outros"...

Não sei como Enrique Fabre chegou a esse condão de já não precisar de acreditar que Deus existe... Porque ele já O vê em toda a parte. Não sei. Mas sei que ISSO, porque é um condão, traz sempre consigo o "dom" do Criador de todas as coisas "visíveis e invisíveis", e traz também o humilde reconhecimento desse "dom" - que Enrique aceita e agradece. Consciente da pura gratuidade do dom que lhe é confiado; e consciente também da sua própria e visceral vulnerabilidade. Única coisa verdadeiramente nossa que podemos dar aos outros. Então, a abarrotar de gratidão, devolve ao Criador o dom recebido, a que soma o dom da sua humilde aceitação. Para fazer dele um Grande Dom que ofereceu à humanidade inteira, na fidelidade à vocação que lhe era peculiar - tornar-se o venerando entomólogo que chegou a ser. Acredito que o grande Enrique Fabre nasce do seu actuar sobre o "dom" recebido, para fazer dele um "com+dão". Sua oferta à Humanidade inteira, como contributo avant la letre para o The Common Good por que todos ansiamos.

Vejo-me a subir para o Calvário. Já com suas aleluias a florir, formando um bouquet que emoldura a Casa Mãe. Todo eu vibro com o sonho de Pai Américo, realizado por P.e Baptista. Vejo a plêiade de voluntários que botaram a mão, para o nascer da obra sonhada. Vejo o evoluir dos tempos. As conquistas de Abril. Com o nascer de um Serviço Nacional de Saúde, de uma Segurança Social, de um tempo outro - em que a mudança é a urgência mais urgente. Tudo conquistas alcançadas - graças ao suor e sangue de muitos. Vejo a falta de voluntários re+NOV(O)+ados - que saibam ser aprendizes do NOVO - com Pai Américo, com P.e Baptista, com o Serviço Nacional de Saúde, com a Segurança Social. Com e com e com... Aprendizes no lidar com o trigo e com o joio. Porque, tal como acontece aqui no Calvário, também nos diferentes serviços do Estado, está proibida a entrada de pessoas perfeitas... Em todas as searas de Boa Semente, o "homem inimigo" (nosso pequeno eu...) espalha a cizânia da discórdia. Daí a nossa missão de cordeiros no meio dos lobos - tudo dentro de nós e à nossa volta...

Voluntários aprendizes do NOVO. Aprendizes do "ver Deus em toda a parte" - no bonito e no feio de um Calvário em transição, para que não, nem, nunca, jamais, em tempo algum caia na vulgaridade das obras semelhantes...

Um admirador