BEIRE - Flash's
O álbum de Pe. Telmo
1 A dor de o ter perdido... Ai quantas vezes, aqui em casa, viramos tudo do avesso e, outras tantas, fui com ele a Paço de Sousa passar a pente fino aquele quartito, nas águas furtadas da Casa Três! Agora vive lá o seu menino d'oiro - o Fausto. Mas era ali O Moinho de P.e Telmo, quando a falta de saúde o arrancou da nossa Casa do Gaiato de Malanje. Depois, os joelhos e as pernitas começaram também a gritar que aquela escadaria já era areia demais para... Perguntou a P.e Baptista se, em Beire, estaria de vago um quartinho onde ele, em tempos... Veio. Pouco depois, foi aquela coisa triste com a S.S. Passamos todos da Casa dos Rapazes para aqui - o Calvário. P.e Telmo como nossa relíquia sagrada. A irradiar a bênção quinzenal dos seus Sinais, que sempre apontam para «mais vida e vida em abundância» - Jesus é muito nosso amigo. Ela ama-nos muito! Não O podemos esquecer.
Pela forma como falava e descrevia imagens d'o meu álbum de fotos de Picote, na construção da barragem, eu ficava a imaginar um possível livro tipo Fotobiografia de... ou de... Influência de coisas que conheço - Fotobiografia da Água, Da Janela de Saramago.
Via o P.e Telmo desolado. Com pena mesmo que se tivesse perdido aquele pedacinho da sua via - naquele tempo... Mas, terminava sempre com um esperançoso «pode ser que ainda apareça"...
- São coisas sem interesse nenhum, dizia ele, mas eu gostava de rever aquelas fotografias. Eram todos muito meus amigos! Eu tinha um caixotinho - máquina antiga de... - que levava sempre comigo nas visitas que fazia àquelas famílias. Eles gostavam que eu lhes fizesse uma fotografia... E eu fiz um álbum - das pessoas, muitas crianças sujas a comer no chão... Muitas 'casas' de barracos alagados ou da corte do porco... P.e Telmo falava e, dentro de mim, saltava O Lodo e as Estrelas, de que consegui um exemplar, ainda em 1960, antes que a P.I.D.E. entendesse que «não deve ser autorizado a circular no País» - porque «trata-se de um livro do pior sentido social, embora seja da autoria de um padre».
2 A festa do encontro... Já não sei bem como, a tal caixa velha onde estava o velho álbum apareceu. Andava, mais ou menos perdida, nas mãos do Henrique Manuel, que a terá arrumado para que talvez um dia... Agora que já era chegado o dia em que talvez..., não havia meio de se saber onde parava o álbum. Mas apareceu! Indescritível a alegria que irradiava aquele rosto singular de «um homem que inspira paz». Entretanto, começam os telefonemas do Henrique Manuel para o seu patriarca - era já o livro em gestação adiantada.
Chegou a hora de 'ver a luz do dia'. Uma organização, em verdadeira obra de paciência e arte, com a marca já consagrada do professor Henrique Manuel Pereira: ROSTOS DE UMA BARRAGEM - o Álbum de Telmo Ferraz. E, a 31 de Julho de 2022, no Barrocal do Douro, aconteceu a 'apresentação da obra' em sessão de homenagem a P.e Telmo. Com a presença de D. José Cordeiro, Arcebispo de Braga, que, num breve mas suculento texto do livro, nos fala de "O DOM QUE É a vida e a acção de Padre
Telmo". Agora revelada com mais luz, nestas páginas de ternura que nos mostram bem o empenho que a Alforria e a Frauga puseram na preparação deste velho álbum de fotos registadas no dito caixotinho... Porque, afinal, aquele 'caixotinho' era já um profético veículo daquilo que, hoje, o Papa Francisco chama de 'dinamismo evangelizador que atua por atracção'. O Álbum de P.e Telmo revela isto mesmo avant la letre - antes que se falasse de tal...
3 As lágrimas de comoção. Era o domingo 31 de Julho. Antes de almoço, o Henrique Manuel com mais dois elementos da equipa que prepararam esta obra de arte impressa vieram almoçar connosco e levar P.e Telmo consigo ao Barrocal. Foi um agridoce descongelar páginas d'O Lodo e as Estrelas, e poder constatar que todas aquelas personagens tinham um rosto. O álbum mostra bem «as casotas que começaram a erguer-se encostadas às fragas e que, terminadas, eram cobertas com sacos de papel». «Com crianças sujas a comer no chão. Seus pais, olhando - com tristeza no olhar».Com alguns comentários de então, escritos pela pena de P.e Telmo com datas de 1953 a 1958... Tudo a somar para melhor entender porque é que a P.I.D.E., mesmo sem conhecer o álbum, entendeu que «o livro não deve circular no País». Um país que, em matéria de acção social, ainda acha que a Igreja mantém 'o pior sentido'... Ela, com Pai Américo à frente, acha que «toda acção social que não seja também acção teologal está condenada à vulgaridade das obras semelhantes". Então, tudo o que não vá na onda do incenso ao poder estatal o melhor é dificultar, até mesmo boicotar...
Gostava era de saber contar o momento em que chega o H.M. com um embrulho na mão e, na nossa presença, abre, tira um exemplar do livro, entrega-o a P.e Telmo e diz aqui tem o seu álbum... Serenamente, P.e Telmo começa a folhear... Interrompe, comovido, e balbucia - Oh, Henrique! Eu não mereço... Qual filho, afagando o pai velhinho, H. M. aperta-o contra o peito, beija-lhe os cabelos brancos e, na sala, ecoou o silêncio sagrado de um amor agradecido...
Um admirador