BEIRE - Flash's
- Pus flores a Teus pés...
1 - Somos seres 'significadores'. De vez em quando gosto de ir ver se ele passou por ali há pouco... Sei do tempo, pela qualidade das flores - se frescas, se murchas... Depois, fico a pensar em nós - seres humanos. No nosso "ser significador"... Porque, de verdade, somos capazes de dar, de atribuir um significado às coisas. Fazer os nosso próprios 'sacramentos' - um sinal visível que nos fale de uma outra coisa invisível que também gostaríamos de ver...
Tudo numa misteriosa ambivalência. Porque, para nossa desgraça, também somos capazes de significar no 'circuito negativo' - ver 'demónios' em todo o lado... Os ditos "profetas da desgraça" são isso mesmo. E é de fugir deles. Estragam-nos a melhor festa com os seus agoirentos "estou com muito medo. Quando vejo as coisas assim a correr tão bem é porque algum mal está para acontecer"...
Gosto daquele espaço, aqui no Calvário. Rodeado por carvalhos e tílias, lembra uma alameda de casas nobres - brasonadas... "Os doentes merecem sempre o melhor" - gostamos de dizer-nos! E a nossa Fé diz-nos que sim senhor. Porque "é assim que Deus manda".
Fica por detrás da capela, casa mãe, mais as duas casas de aconchego, e segue até ao lago dos peixes. Meio apagadas entre o arvoredo, a mão de Pe Baptista ergueu alí umas 'alminhas'... Verdadeira obra de arte, lavrada em granito do nosso. Do melhor. São umas 'alminhas' de dupla face. Voltadas para a 'avenida' e para a mata traseira. Do lado da avenida, embutido na pedra, está o azulejo clássico de Nossa Senhora da Misericórdia a recolher as 'alminhas do purgatório" - como é de lei... Do outro lado, também em azulejo, mas não embutido, está a, também clássica, imagem de Cristo na cruz - o 'redentor' das 'alminhas' purificadas pelo fogo, como ouro no cadinho...
Uma devoção de Pe Manuel António. Quando ainda era uma presença diária entre nós, Pe. Manuel, ao dar o seu passeiozinho para desenferrujar as pernas que já lhe dificultavam o andar, aquilo era um quadro digno de se ver. Parava ali, erguia as mãos e, de cabeça inclinada, como quem reza, ficava ali tempos sem tempo a... Mas d'ISSO só Deus sabe. Muitas vezes o fotografei. E, para lá das imagens registadas no tlm, guardo imagens que, agora, acordam e me deixam a 'dar voltas' ao mistério da oração. Quando por ali passo, tudo isso sobe por dentro de mim. 'Alminhas do Purgatório'! Rezar... Coisas de que Gandhi - o grande Mahatma1 da Índia - gostava de dizer: «Rezar não é pedir. É uma aspiração da alma. É o reconhecimento diário da própria debilidade. Para rezar é melhor um coração sem palavras do que palavras sem coração».
2 - Ao dar o seu passeiozinho... Também Pe. Telmo gosta daquelas alminhas'. E passa ali pelas mesmas razões - desenferrujar as pernas... Mas não passa pela frente. Discretamente, vai pelo caminhito da mata. Colhe umas florinhas ou uns raminhos de verdura, saboreia o silêncio, com+TEMPLa e fala à imagem do seu Jesus que tanto nos ama. Deixa lá as flores e... Também só Deus sabe d'o resto. Lá vai ele refortalecido. A Fé é uma Força. Capaz de transportar montanhas (Mc 11, 23). Quem a tem sabe do que estou a querer falar. Quem a não tem - não discuta. Tente aprender a cultivá-la... Até, visceralmente, lhe experimentar a cultura... E logo descobrirá porque é que há assim um culto tão multifacetado desta 'coisa' - que é como o amor... Ninguém sabe dizer o que é, mas todos andamos em busca dele.
Pego no livrinho de poemas/oração - Contigo no Planalto, Telmo Ferraz, 2.a ed. Diocese de Bragança - Miranda, 2013. O título do poema é O pombal, pg. 43. Cheira-me a Malanje, na Carianga. Transcrevo: «Estou na capelinha contigo. Tu na hóstia que foi pão. A imagem de Tua Mãe. A Tua bem segura com pregos à cruz. // Ao Teu lado esquerdo a imagem da Santíssima Trindade.// Lá fora, só o canto de um grilo a circundar-nos com fio de oiro. // Esta casinha foi pombal e ninho de salalé. // Agora estás aqui - noites e dias, chuva ou sol e Tu no mesmo silêncio que nos faz gemer neste chão. // Fala, olha-me. // E falas-me e olhas-me com quietude e silêncio...
Pus umas flores, secas, de cardo, a Teus pés. // Ali estão a dar-Te um pouquinho de doçura. // Tu me amas. // Também Te amo. // Na minha pequenez!».
É preciso ter olhos para ver. Porque há olhos que não veem. Tantas Belezas Ignoradas, aqui neste Calvário de Beire. Tremo só de pensar que uma ERPI, se não for bem aclimatada, nos possa roubar tudo isto - como roubou alguns dos nossos doentes e rapazes.
Tremo. Mas ainda tenho esperança. As obras de Deus são de quem as ama. Não de quem manda nelas...
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1 - Mahatma - é uma palavra indú que quer dizer 'grande alma!'. O correspondente ao nosso 'grande santo'. Gandhi é 'o Santo' que, pela prática do jejum e pela via da não violência, salvou a Índia da opressão britânica. Morreu mártir da sua Fé, a 30.01.1948.
Um admirador