BEIRE - Flash's
1 — Os nossos conceitos de "milagre"… Recordo-o com alegria. Caí na conta de que se me tinham alargado os meus horizontes do conceito de milagre. Esta palavra faz parte importante desse património religioso que chegou até mim e foi moldando a minha mente — com muitos benefícios e alguns malefícios… Certo é que, nesse meu alargar de horizontes, fez-se-me uma nova luz sobre aquele interessantíssimo diálogo entre Jesus e os discípulos: — Quem dizem os homens que Eu sou, logo seguido de: — E vós quem dizeis que Eu sou?! (Mt 16, 13-20). Aquela preciosa distinção entre o que «nos é revelado pela carne e pelo sangue» e o que «nos é revelado pelo Pai que está nos Céus» faz-me estar mais atento ao meu interior na relação que me cabe ter em conta com o meu exterior. Porque não tenho dúvidas de que o meu primeiro conceito de milagre não foi um conceito "revelado pelo Pai que está no Céu». Hoje, sei que, com todos os convenientes e inconvenientes que isso acarreta para qualquer ser humano, o meu primeiro conceito de milagre «me foi revelado pela carne e pelo sangue». A família religiosa em que nasci e cresci, generosamente, se adiantou em mo revelar. Antes que o Pai do Céu tivesse tido tempo para escolher a Sua hora…
Lembro que, desde novito, sempre gostava de ruminar os milagres que nos contavam — para castigar «os maus» e/ou para premiar «os bons»... Sempre que me portava mal, ficava com medo do castigo (acreditava que Deus castiga com o pó da formiga…). E, às vezes, também ficava à espera do prémio… Porque demorei a reconhecer essa recompensa nesta festa interior que, em mim, acontece sempre que me comporto como Deus manda… Até que houve um dia em que chegou a hora de «o Pai do Céu mo revelar» através desta parábola esclarecedora:
"Nos arredores daquele mosteiro, corria a fama de que 'o mestre' fazia milagres… Os 'clientes' choviam à portaria a pedir um encontro com ele, na mira de… A coisa chegou aos ouvidos da SIC lá do sítio. Um repórter correu também ao mosteiro, à espera de uma entrevistazinha para o seu noticiário — em primeira mão… Seguindo as normas convencionais, dirigiu-se à portaria e quis saber «que tipo de milagres o mestre fazia», para melhor conduzir a esperada entrevista… Esbarrou com esta: — Não lhe posso responder. Parece que vocês por lá chamam milagre quando alguém consegue que Deus faça a vontade de um homem… Mas nós aqui só falamos em milagre quando nos aparece um homem que faz a vontade de Deus…
2 — A luz vinda do "bom samaritano"... Há tempos, numa reflexão sobre a parábola do Bom Samaritano, ouvi esta interpretação — que me trouxe nova luz sobre a ação social, venha ela do ISS, da Obra da Rua ou de outras IPSS. Não me canso de ruminar sobre o que, na realidade, é isso de ação social. Porque, com Pai Américo, acho mesmo que «toda a ação social é também ação teológica ou já não é coisa nenhuma». Praticada pelo estado ou por qualquer instituição particular. Porque toda a ação social mexe no "mistério central da vida" — qualquer coisa como ISSO a que Jesus chamou Abba. Esse Pai / Mãe que manda o sol e a chuva sobre bons e maus… (Mt 5, 45-46).
Gosto desta minha nova leitura de uma parábola que a carne e o sangue se fartaram de me contar — como ilustração divina sobre a importância de praticar da caridade. Segundo o relato evangélico (Lc 10, 25-37), aquele homem, assaltado pelos ladrões, ficou num estado tal que as leis da vida, se lhe não botassem a mão, depressa iriam dar lugar às leis da morte — porque umas e outras estão impressas em toda a Criação. Todos nascemos para viver e todos vivemos para morrer. Definitivamente. Salvo se, pelos milagres da prática da caridade e do amor1, formos entrando já no Reino dos Céus — encarnação social / temporal de uma Sociedade Intemporal (o Céu!...) em que já todos seremos Um com o Pai (Jo 10, 30) … Porque foi para isso que Jesus se fez carne, habitou entre nós e, ao terceiro dia, ressuscitou de entre os mortos…
Aquele homem bom, comerciante da Samaria, terra dos pecadores que não se portavam como os puros de Jerusalém, condoeu-se do estado de moribundo de um desconhecido, mas irmão de carne e osso… Não passa adiante. Para. Cuida como sabe e pode. Carrega-o até à estalagem. Pede que lhe façam tudo o que o doente precisa. Prontifica-se a pagar os custos…
Porque os santos passaram adiante, diz Jesus que o milagre foi operado por este pecador... Que soube ser próximo — botar a mão… Fez ao outro o que, em iguais circunstâncias, gostaria que lhe fizessem a ele.
As leis da morte que, por ação dos ladrões, se precipitaram sobre o homem ali caído, logo foram intercetadas pela retoma das leis da vida…
Por meio de uma ação social que, prestada a tempo e horas, o milagre da salvaçãoacontece… No caminho de um Jericó qualquer…
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1 — Aprendi-o em latim e com música gregoriana — ubi caritas et amor, Deus ibi est, Onde estiver o amor e a caridade, aí está Deus. Como que a gritar-me: Olha bem que onde estiver o amor sem a caridade e/ou a caridade sem o amor, Deus anda longe… Porque Ele (a Verdade, a Beleza e a Bondade) não aceita caricaturas… Nem caricaturas do amor nem caricaturas da caridade…
Um admirador
Escreve segundo o novo acordo ortográfico