BEIRE - Flash's

... A fome de Sentir-se Útil...

1. Tantas coisas bonitas para Nos Dizermos!... Porque "não podemos não comunicar" e porque "comunicar é muito difícil", facilmente embarcamos na onda da "lei do menor esforço". Nascemos, vivemos e morremos como quem passa por um túnel — sem DEScobrir o que é ser comUNIdade, ser um ser-de-e-para a comUNI(h)ão. Navegamos uma vida inteira na vulgaridade do bla bla indispensável à sobrevivência. E vamos arcando com o peso que isso acarreta — a fome que nos corrói na ânsia de mais vida e vida em abundância

Mesmo que poucos de nós e poucas vezes lá cheguemos, vale a pena trabalhar(-se) por ser e buscar companheiros de busca de aprendizes d'ISSO que torna o homem verdadeiramente homem — ser capaz de dizer corretamente as suas convicções, capaz de dizer corretamente os seus sentimentos honestos e capaz de viver, alegremente, com as consequências de ser um homem ASSIM. De pé, ao lado dos outros, sem deixar que ninguém lhe ponha a pata em cima e a sentir-se mal se, por descuido, pisa alguém... Isto é, ser igual a todos os homens, em algumas coisas; ser igual só a alguns, em algumas coisas; e também ser único, irrepetível, palavra nova (ainda por dizer-se) em algumas outras coisas…

Nascermos para Nos Dizermos uns aos outros em tantas coisas bonitas de que somos portadores — originais e únicos. Todos temos uma velinha para acender na vida de alguém. E todos trazemos sombras que pedem uma velinha de alguém que nos ilumine… É crime deixar-se morrer sem nos dizermos. Sem nos reVELArmos em nossas insondáveis riquezas.

Ai como entendo o poeta Daniel Faria: "Tenho medo de morrer antes de viver!"… Porque viver é isto mesmo — tornar-se comunhão. Tornar-se comunicação. Enquanto estamos efemeramente vivos, a caminho da vida sem ocaso…

Só uma comunicação solta em que possamos Dizermo-Nos assim, em nossas banalidades e em nossas profundidades, é capaz de nos abrir aos novos horizontes de que sempre precisamos. Para um adequado estar aqui e agora, nas mutantes circunstâncias que a vida de nós reclama. Como indivíduos e como membros de nossos grupos de pertença.

Somos Obra da Rua. Somos Calvário. E também somos Estado — com suas obrigações para com o bem-estar social de todo o povo. Aspiramos ao entendimento mútuo.

2. As rolhas da / para a nossa Isabel… Confesso que às vezes também me sinto prestes a passar-me… Porque "ela tira a paciência a uma pedra, poça. É demais!..."… Aproveito para fazer(-me) mais um exercício de resiliência — essa capacidade de voltar ao normal antes de deixar partir a loiça. Porque, ao "ver Teus filhos por detrás das aparências, como Tu mesmo os vês, Senhor", é mais fácil "contemplar a bondade de cada um". Até que descobri a imensa bondade da Isabel. E aí nos encontramos todos, nesta harmonia que subjaz à cacofonia que, às vezes, o Calvário parece. Com seus filhos de muita mãe, quando vistos como "os filhos que Deus nos mandou", muda logo a nossa visão global… A coisa é assim:

A nossa Isabelinha é mesmo um tratado de psicologia da relação — tanto na ternura que dela se derrama como no seu constante "olha, estou chateada. Porque… e porque… e porque". E, curioso, é que, nessas bem diferentes alturas, a cara dela não desdiz em nada do que a boca confessa — o feio ou o bonito!

Não sei quem lhe vendeu a ideia, mas sei que há muito lhe conheço essa preocupação — recolher as tampinhas que dão cadeiras de rodas, lembram?!... Sei é que juntou tantas que já era preciso levar aquilo a algum centro de recolha. Falaram-me em alguns supermercados, quarteis de bombeiros, enfim. Procurei. — Ah, isso, aqui em Paredes, é na OCDP!... Queria era saber onde ficava isso, mais que saber o que uma tal sigla podia significar.

Descobri. É na Sopa Solidária, da Obra de Caridade para Doentes e Paralíticos. Vim. Chamei a Isabel. Os dois sozinhos carregamos o carro. Como que em recompensa pela sua dedicação a esta causa, levei-a comigo. Uma festa. Privada de um braço e mão capaz de seja o que for, com o braço e mão que lhe resta, a Isabel faz milagres. Ajuda mesmo e sabe criar soluções a suprir suas deficiências. E aí todo o seu ser de mulher eterna se torna cativante. Há é que auscultar-lhe o coração, nestas circunstâncias. Para lá das deficiências físicas, Isabel sofre de comportamento rígido — agarrados os amendoins já não larga mais… Repete, repete, repete. — Sabes, agora tenho de ir à Helena, pedir oito saco. E depois tu bens cá oita bez, pois bens?!... A Guida da Suíça vai trazer-me mais rolhas. E a Margarida de Cete. E a Manela da Maia também. E… e… e…

Depois, muda de tom: — Podíamos ir à Lala, do Vieira. Era uma surpresa… E, por mais que explique agora não pode ser, não larga: — Assim, nunca mais..: Anda lá. Vamos à Lala. Era uma surpresa!...

Deixo-me a ruminar estas cenas. Com todas as Isabelas e Isabelos do mundo. Os/as que temos cá e os/as que andam por aí à espera de um Calvário onde se possam recolher tampinhas que dão cadeiras de rodas… Cada um/a é uma fonte de água viva de que falava Jesus à Samaritana. Água viva que é útil à Isabel, útil à OCDP e útil a quantos "por amor da Isabel do Calvário", separam e guardam e trazem rolhas e tampinhas

Um admirador

(Escreve segundo o novo acordo ortográfico)