BEIRE - Flash's

Cá no Calvário… é A+SIM!(1)

1. Era o «Domingo da Samaritana» Prontinho para descer para a Eucaristia de Domingo. Da janela vejo o pessoal a sair da área reservada aos nossos doentes. Deixo-me tocar pela palavra nossos. Que corre riscos de extinção… Pe. Alfredo, em serviço de periferia, conduz a cadeira da D. Joaquina que, lá do seu 'mundo encantado', sorri a tudo e a todos. A Adelaide, na sua cadeirinha de rodas, é conduzida pelo Mário, com Rik por perto —porque não larga a mãe(2)… A D. Maria, agarrada ao andarilho, a pedir a uma perna para levantar a outra, com a Rute de vigia e a incentivar… A Luisinha, mais leve, sempre a babar-se e a sorrir, também no seu carrinho, vai levada pelo Zé que, na sua deficiência, sabe mostrar-se muito eficiente e eficaz nestes pequenos serviços de apoio. Compenetrado no que está a fazer, lá vão os dois felizes — a nossa Princesinha e nosso Sem Nome (porque nem o seu nome sabe dizer…).

E logo vejo o sr. Costa, também a caminho da Capela. Ao domingo e à semana… Recordo nossas 'conversas', a princípio, quando ia levar a comunhão aos doentes e ele andava por ali — sempre pendurado do cigarrito e a querer meter conversa: — Eu não sou praticante, mas sou religioso… E ainda sei o Pai nosso e a Ave Maria… As outras, são muito grandes, e eu já esqueci… Hoje, sozinho, toma o seu lugar na comunidade eucarística e abeira-se da comunhão…

Avaliar estas e outras práticas religiosas já não é da nossa conta. Foi-nos revelado que «na Casa do Meu Pai, há muitas moradas». E foi o «rosto visível do Deus invisível» — Jesus de Nazaré — quem no-lo reVEL(A)ou. Isto é, nos oferece(u) d'essa Luz a que nos agarramos

Penso em quantos, na monotonia dos seus dias, numa ERPI da vulgaridade, gostariam de ter a+sim um quebrar o silêncio que pesa… Seja para dar uma voltinha pela quinta, apanhar uma nesguinha de sol e 'ouvir o capim crescer'… Seja para ir à capela ou apanhar castanhas que já pingam… Ou ainda andar atrás das visitas a meter conversa de rolhas de plástico, pa levar p'ó p'ó p'ó, que já não sai — como é o caso da nossa Isabelita. Uma figura chave do doente impossível de ter em casa… Mas que aqui é uma bênção, em que se nos manifesta a glória de Deus (Jo 9, 1-25).

2. É uma questão muito pertinente… Um Curso de Relações Interpessoais. Alguém levanta esta questão: — Porque é que uma pessoa, que toda a vida foi católica, agora num lar de idosos, muda de religião?!… Vou até aos Açores, Ilha Terceira, no Lar da Misericórdia. Um Pastor Protestante, que tinha um programa na rádio e era ali uma pessoa bem aceite e muito influente, era voluntário no Lar. Nunca faltava e todos lhe queriam muito. Cheguei a colaborar com ele na rádio…

Mutatis mutandis, a resposta impõe-se-me: «O cão e o menino vão para onde lhes vai o mimo». Também num lar de idosos vigora esta lei das relações humanas — qualquer pessoa, para viver minimamente equilibrada, precisa de uma média de três horas dia de atenção. Se a não encontra pela positiva, provoca-a pela negativa…

Quando digo que a palavra nossos, referida aos nossos doentes, «corre riscos de extinção», quero expressar isso mesmo. Voluntários ou profissionais, se não cuidam de amestrar(-se) nessa nobre Ciência, Técnica e Arte (C.T.A.) de relacionar(-se) saudavelmente com aqueles a quem prestam serviços de apoio, correm risco de se tornarem perigosos tecnopatas(3) — sempre a correr, a apagar fogos, sem nunca perceberem nada da Magia do A.T.C. — já aqui tratada neste Jornal, nº 2016, de 19.06.21.

3. «(…) Pois! Não porque… mas porque…». Era o Domingo da Samaritana e eu deixei-me levar Evangelho fora… Até ao final daquela cena, que começa com o «dá-me de beber», lá em Sicar, no «Poço de Jacob». Sempre me seduziu esta perícope de Jo 4, 5-42. Sobretudo pela ligação que sempre faço com a cena de Pedro — «não foi a carne nem o sangue que to revelaram, mas o Pai que está no Céu» (Mt 16, 17-19). Cada vez estou mesmo mais convencido de que o mal de muitos cristãos de boa fé passa por aqui: «Ouviram falar e até aprenderam algumas fórmulas em pequenos, mas…». Se tudo fica por aí, é natural que essa "roupinha de meninos" já não sirva mais a gente que foi crescendo…

Há sempre um momento em que sentimos outras exigências. Como aqueles "samaritanos". Que, não acreditando muito em "coisa de mulheres", pelo sim pelo não, foram indagar… Pois. E a resposta («do Pai do Céu»…) está aí bem clara: — Acreditamos, não porque no-lo disseste, mas porque nós mesmos fomos procurar e… pudemos ver e ouvir

Encantei-me pelo Calvário sonhado por Pai Américo e levantado por Pe. Baptista. E ainda: pelos 'Calvários' sonhados por Pe. Manuel António, para Benguela; e/ou por Pe. Rafa, para Malanje… Encantei-me. Deixei-me mover. Mas tem sido aqui, em Beire, que eu sinto crescer esta minha convicção — os caminhos de uma boa ação social passam por isto: ter atenção a todos os homens e ao homem todo. No seu ser biológico (imanente!) e no seu ser espiritual (transcendente!).

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1. É a+SIM, porque não queremos a+nãos, cá no Calvário… A empecer o Caminho apontado por Pai Américo e, depois, rasgado por Pe. Baptista. Como Maria de Nazaré, queremos aprender a dizer SIMFAÇA-SE como Deus manda

2. Um caso típico, de acentuadas limitações, este nosso Riki — adotado e criado aqui pela nossa Adelaide, a quem chama mãe…

3. Parece-me ser este o problema base das ERPI — se não se cuida da espiritualidade.

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico