BEIRE - Flash's

Calvário — a nossa Festa dos Musgos…

1 — Apetece desafiar: — Venham cá ver!… Sinto que preciso tanto do "silêncio e quietude" como preciso de uma "boa companhia". Com quem se possa conversar. Sobretudo conversar d'isso que faz parte integrante da minha busca de um sentido para a vida. Em mim, no Calvário, nesta nossa Igreja que tanto amo, nesta Sociedade que parece à deriva, mas de que somos parte integrante — mesmo que já quase reduzidos a cadáver adiado…

Porque preciso mesmo do «silêncio e quietude», volta e meia esgueiro-me… Sozinho, pelos campos e pelas matas fora. Num verdadeiro "Seminário de Descobertas — Natureza Adentro" — do tipo que se faz no PNPG, organizado pelo Parque de Cerdeira. É que, sem isso, começo logo a «sentir-me órfão». Órfão desta mãe viva — a Mãe-Terra, deusa Geia!... Mãe de que todos somos filhos prediletos — mesmo que nos portemos como bastardos

De cada vez que me brindo com uma bênção desta natureza, regresso a estalar — cheiinho como um ovo. Pronto a dar à luz o pintainho que traz dentro. O tempo, aqui no Calvário / Beire, tem estado de chuva. Num popular casaco de amostras — de molha tolos… Tão depressa desaparece a chuva como logo entra a carregar mais um nadinha…Mas sempre a encharcar aqueles (tolos!…) que não se dão conta que ela vai entrando nos ossos… É aquela morrinha que não dá para fazer nadanem chove nem deixa de chover. Ouro para a terra. Desespero para quem precisa de trabalhar ao ar livre…

Depois daquelas vagas de frio, a temperatura está amena. Propícia ao eclodir da vida escondida em cada palmo de terra — verdadeiro banco de sementes… A cada meia dúzia de passos que dou, logo os olhos me puxam a parar e ver: é o musgo dos presépios a esgueirar-se, verdinho e fofo, por entre as folhas que, caídas do carvalhal envolvente, fecundam e atapetam o chão. Ou a escorregar pelos muros, em moitas de verde alface. Logo a seguir, já a espreitar para fora da terra, os cogumelos multifacetados e os pequenos lírios do campo, em formas de sininho. Com suas cores matizadas entre o roxo/rosa e o branco. E aquela pitadazinha de amarelo no coração que lhe salta para fora, a querer mostrar-se e chamar as abelhas que começam a arriscar, depois da invernia…

Venham ver. Vão à internet, descubram imagens, preparem-se para uma viagem natureza adentro. Podem saborear. A mesa está posta…

2 — «Para que tenham vida — em abundância". Sei que, tal como naquele tempo, lá na Galileia, os tempos não estão propícios a grandes sonhos — esperança dos homens acordados… São os problemas de Governo, os problemas da Igreja, os problemas da Sociedade — dividida entre a corrupção e a guerra. Mesmo assim, não me canso de sonhar. Um Calvário revitalizado, a navegar de vento em popa — seguro do novo rumo que leva. Consciente de que «não há vento favorável para quem não sabe o porto que busca»…

Fecho os olhos e deixo-me a rever o tanto e o que tantas vezes já vi. Porque o fui interiorizando — numa profusão de vida que me enternece. Encontro-me com um apaixonado por Jesus de Nazaré — O de ontem, O de hoje e O de sempre. Ele ajuda-me a ler melhor o Evangelho — hoje, à luz dos "sinais dos tempos". Ler o grande projeto de Jesus, a Sua grande Boa Nova. Que parece ter nascido da Sua experiência das «tentações no deserto» (Lc 4, 1-13). Aí, Jesus como que descobre o que é a plenitude humana — reflexo da plenitude divina de que somos imagem e semelhança. E logo passa a olhar-se como "Filho do Homem"… Que não se fica pelo «pão nosso de cada dia» — num «remédio técnico" que sempre se mostra insuficiente… Não. Jesus descobre e desafia-nos a descobrir também «a unidade total»(1)isso que, em nós, vai mais além do bio-psico-social e se mostra como declarado antípoda de tudo o que seja egoísmo

3 — Difícil — mas bonito! — este nosso papel. Mergulho em Pai Américo. Ainda me sinto revolvido pelos ecos do seu jeito de nos mostrar a realidade social do Portugal de então (décadas de 30 e 40 do séc. XX). A sua paixão pel'O Jesus da História, o filho do carpinteiro. Esse Jesus que, historicamente, não terá escolhido só os "doze seguidores" — mas nos convida a todos… Ouço: «A Obra não é minha — é dos portugueses». Ausculto(-me): «Calvário, uma palavra tirada do Evangelho» que «não podemos deixar cair na vulgaridade das obras semelhantes».

Sinto-me no barco, a navegar neste mar encapelado. A precisar de pulsos fortes para remar na direção certa. E sinto a alegria desta festa dos musgos que me empurra para diante. Benditos musgos, líquenes, cogumelos e lírios do campo! Bendita beleza que me fala da Beleza Incriada(2) —a falar-nos da «fome de UNIdade», sermos «Um com o Pai / Um com toda a Criação».

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1. O Cristo Total é uma expressão usada por St. Agostinho para denominar aquilo que hoje conhecemos como «Corpo Místico de Cristo».

2. Relembrar que: «A essência de Deus — e também do Homem — é a Verdade, a Beleza e a Bondade». Coisas que, n'Ele, são uma só e mesma coisa».

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]