BEIRE - Flash's

Calvário - Do nosso visível ao Invisível de

1 Perigos de um pragmatismo suicida… Não há dúvida de que a dor também purifica. Sobretudo purifica o amor —isso de que ninguém pode prescindir… Aliás, gosto de mo repetir, vezes sem conta: «Os quatro verbos que tecem qualquer vida são: Amar / Sofrer / Lutar / Vencer». Penso que basta ouvir-se um bocadinho por dentro, com atenção, para logo se descobrir que isto é assim mesmo. E é caso para dizer: Deus louvado, porque nos deixou um caminho acessível para O encontrarmos aqui e agora — enquanto a caminho desse «dia sem ocaso» que nos espera…

Na última crónica (Gaiato nº 2084), só de relance, toquei num tema que me é particularmente querido. Gosto de o consignar na sigla CTA — a Ciência, a Técnica e a Arte de aprender a «ver» o Invisível / o Incriado no mundo visível / criado. A que, irremediavelmente, todos estamos condenados1… Lembro Exupery: «Só se vê bem com o coração — o essencial é invisível aos olhos»… E minha mãe: «Isso, filho, só se vê com os olhos da Fé». Ouço S. Paulo — per visibilia ad invisibilia Dei2. Ou o entomologista Enrique Fabre. A quem, numa homenagem pública, lançaram o repto:

Tu acreditas mesmo que Deus existe, Enrique ?!... Resposta pronta e sorridente: — Eu não. Eu vejo-O em todas as coisas…

Com o nome de «Deus» ou outro qualquer que se preste mais aos «condicionamentos mentais» de cada um, certo é que, o que importa para nos podermos manter com um mínimo de equilíbrio, a gente precisa de «três horas dia de encantamento». E, como diria Teresa d'Ávila, a Grande, «…quem a Deus tem, só Deus basta»… O problema põe-se-nos na medida em que, sem dar por isso, vamos ignorando essa Ciência, essa Técnica e essa Arte de «ver a Deus em todas as coisas»e vamos sendo submergidos pela onda de um «pragmatismo suicida» — que quer ver tudo bem «justificado» à medida da nossa própria miopia mental

2 Aprender a ver com o coração… Fui saudavelmente «condicionado» por experiências de infância que não consigo esquecer. E delas não me canso de «dar graças». Ai quanto elas me têm ajudado a chegar a esta idade a experimentar isso de que Jorge de Sena diz: «Ser feliz é uma coisa terrível. É mais fácil ser infeliz».

Meus «condicionamentos de infância» ajudaram-me a vencer essa «coisa terrível" do «mais fácil» — «ser infeliz»… Hoje, sei, por um saber de experiências feito, que César, na sua cegueira do ego, pode afastar-se de Deus. Mas Deus, em Seu amor incondicional, não pode nunca afastar-se de César. Deus/Abba sempre espera que o 'filho pródigo' volte. E 'veja' a sua própria cegueira… Em Deus, tudo é vida e fonte de mais vida… Quando Jesus diz «eu sou a vida» está a dizer-nos que cada ser humano (cada filho de homem) nasce para regular a vida do Homem contra a «lei da selva» / «lei do mais forte». Onde há um homem a clamar contra a opressão, Deus quer que ali vigore a «lei do amor». Porque esta é a «Lei da Boa Nova»…

3 Pode(-Se) ver Deus a "respirar"… O tornar(-se) realista é a nossa nobre missão de «irmanados no mesmo destino». Chamados a «remar na mesma barca» — rumo ao mesmo porto de salvação.O inviolável respeito3 pela nossa d'ignidade humana…

De minhas experiências vivenciadas no «pão nosso de cada dia», vou-me dando conta de que, efetivamente, é possível «ver» Deus a respirar e a latejar em mim. Em sintonia com o Papa Francisco que, de mil e uma maneiras, no-lo vai dizendo: «Somos feitos da mesma massa de Deus», «quando rezo, Deus respira em mim», (…). Há é que treinar a mente e esperar que a experiência aconteça… Claro que não é para demonstrar isso a ninguém. Aliás, toda a mensagem da Boa Nova não se «demonstra»… Ela propõe um estilo de vida a experimentar vivencialmente.

Vitimados pela cegueira reinante de tudo querer resolver com «remédios técnicos», vamos perdendo a noção (e a vivência!) da unidade que subsiste a toda a dualidade a que estamos habituados. A dicotomia, o dualismo César e Deus, Divino e Humano, Bem e Mal, Perfeito e Imperfeito, Estado e Igreja, (…). Na realidade, acontece que isso são categorias meramente académicas — coisas da nossa miopia mental… Para podermos buscar-lhes um fundamento que nos permita perfurar a misteriosa, mas sedutora realidade — de que somos parte integrante… Buscar-lhes um alicerce que nos permita com+versar, rumo ao encontro com o universo que a todos UNE — no «eu e o Pai somos um e vim para que todos sejam um com o Pai»… Porque, na realidade, é sempre o mesmo su(b)jeito e o mesmo objeto — encarado por perspetivas diferentes. É «uma só e mesma coisa» — onde o «dividir para reinar» só pode levar ao «reino da desgraça». De que todos acabamos por ser vítimas, se não nos entendermos…

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1 Digo condenados porque, realmente, aquilo que para uns é o paraíso, para outros é o inferno. Porque «o problema não está nas coisas, mas na maneira como as encaramos»…

2 Traduzido, dá isto: «Chegar às 'Coisas Invisíveis de Deus através das coisas visíveis do no nosso dia a dia»…

3 A realidade humana, porque habitada pelo fogo (igni) da divindade e para ela encaminhada, não pode ser reduzida a um pragmatismo técnico amordaçante… Precisa de ser olhada também a um «outro nível» de respeito…

Um admirador

(Escreve segundo o novo acordo ortográfico)