
BEIRE - Flash's
Vocações para «Mãe», no Calvário
1. Uma crónica de Pe. Telmo… É já 4ª feira e passam poucos minutos das 09:00h. Rezadas as Laudes, subi sozinho com Pe. Telmo, antes que mo roubem…
— Temos de passar os seus Sinais. O Régua está à espera…
Na salinha das visitas, mesmo em frente ao quarto dele, começo a instalar o escritório… Pe. Telmo, já sentado no seu sofá, debruçado sobre a pastinha onde vai escrevendo o que o anima, faz-me o discurso habitual: — Não vale a pena publicar isto. Já não sai nada de jeito. Estou mesmo acabado. Burrinho de todo... Seja sincero comigo: se não valer a pena, não envie nada. Alguma vez terá de ser a última… De tão habituado, quase não respondo e vou repetindo: — Vamos lá ver. Primeiro passa-se tudo e, depois, avaliamos… É assim que sempre temos feito e temo-nos dado bem com o sistema. Às vezes até descobrimos coisas muito bonitas…
A crónica é um flash da sua chegada à Casa do Gaiato de Malanje. Naquela sua ida a Angola, no mês de janeiro, pelos 25 anos de Sacerdócio de Pe. Rafael e 60 da Obra da Rua em Angola. Cada um lê como lê, sente com a sensibilidade que, naquele momento, está lá dentro mais apurada... Eu ia escrevendo e meditava — «Deus louvado! Quase 100 anos e, ainda, com esta sensibilidade e esta arte de saber dizer(-se)!». Senti as entranhas em comoção. Sou mesmo um sortudo em poder estar assim neste partilharmo-nos em doce comunhão-de-ser. Uma comunhão de ser-no-Ser...
Quando terminei, fui enviar o escrito para a Redação do Jornal onde impera o Régua — sr. Júlio Fernandes, de seu nome verdadeiro. Na véspera, ao enviar os meus Flash's de Beire, tinha prometido: — Amanhã, depois do pkenalmoço, Pe. Telmo já tem tudo pronto e eu logo te..: Mas, hoje, ao enviar, não me contive que não fizesse eco do que ainda ressoava em mim: «Se bem prometeu, melhor cumpriu. Ibai, com um grande abraço. Estes momentos de "feitura" d'O Jornal, em que NOS pomos a "falar por dentro", com todo o respeito pelo Ser de e/em cada um, são uma bênção. Obrigado pelo teu imprescindível papel em tudo isto — uma experiência vivenciada e inesquecível».
2. «Aquela» do Papa Francisco… Já depois da experiência vivenciada com Pe. Telmo (e Régua). A pensar ainda no papel da mãe na vida dele. É o Domingo do Bom Pastor. Cai-me debaixo dos olhos «A Mensagem do Papa para o 61º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (21 de abril de 2024)». Leio, releio e destaco: (…) «Penso nas mães e nos pais que não olham primeiro para si mesmos, nem seguem a tendência dum estilo superficial, mas organizam a sua existência cuidando das relações com amor e gratuidade, abrindo-se ao dom da vida e pondo-se ao serviço dos filhos e seu crescimento».
Fico-me a ruminar. As minhas «programações neurolinguísticas» não foram treinadas no uso da palavra «vocação» aplicada ao casamento. Venho de um mundo em que o casamento era um mal menor — 'remédio' para as inquietações da carne… «Vocação» era sempre algo muito superior — mais importante… Muito para além deste fenómeno humano bio-sociológico — fundamento da «célula da sociedade» que é a família.
Achei bonito esta ousadia do Papa Francisco. Vale a pena saborear este seu conceito de vocação — um conceito alargado a tudo aquilo que seja «chamada que o Senhor dirige a cada um de nós, seu povo fiel em caminho, pois dá-nos a possibilidade de tomar parte no seu projeto de amor e encarnar a beleza do Evangelho nos diferentes estados de vida».
É daqui que tudo depende. Uma sociedade sadia, em progresso. Ou uma sociedade decadente, em retrocesso — como, já na década de 50 do séc. pp, o demonstra a tese de Gertrud von le Fort, escritora alemã, prémio Nobel da literatura, autora do livro A Mulher Eterna. Que lhe mereceu o título de Doutora Honoris Causa e marcou a minha outra visão da «mulher como virgem, como esposa e como mãe».
Mutila-se a sociedade sempre que se reduz a mulher a uma visão de mera realidade biológica. Há que despertá-la para a realidade humana(1).Todos somos chamados a construir a Casa Comum da Humanidade. Uma sociedade / uma realidade em que Deus possa «reinar»… Deus tido e entendido como Bem Comum da Humanidade.
Centro-me no Calvário. Olho cada um «destes filhos que Deus nos manda»… Tento «vê-los por detrás das aparências como Deus mesmo os vê» — seus prediletos. A quem é preciso aprender a escutar… «Para poder contemplar neles a bondade de cada um»…
3. Mesmo sem nome, «Mãe» precisa(-se…). É neste contexto que a mensagem do Papa me toca como um grande desafio. Também para este Calvário que tanto amo. No que já foi. No que ainda é. Mais ainda, no que está chamado a vir a ser… Valeria a pena sentar-se, não uma mas muitas vezes para, em comunhão de busca de uma sinodalidade eficaz, perfurar a realidade Calvário. Definir e redefinir alguns conceitos base: pessoa, ajuda e, sobretudo, a palavra mãe — «Mães da Obra»…
Lido a esta luz, o texto do Papa ainda mais me encanta…
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1 Deixem-me repetir: o humano é a tentativa de divinizar o biológico… Tornar(-se) humano é trabalhar(-se) no processo de humanização a que todos somos chamados — sob pena de nos desumanizarmos…
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]