BEIRE - Flash's
O "recado" d'aquele diospireiro...
1. «Pecados» de uma ERPI… Era a semana agendada para a nossa mudança de instalações. Mudanças1 físicas e mentais… Mudar do antes, agora posto em causa, para um depois — um agora desconhecido. Ando a sentir na pele, aquele redemoinho de expectativas que, de sua natureza, são geradoras de mais vida e/ou de mais morte — numa relação que sempre se quer de mais vida.
O desconhecido tem sempre esta sedução e este arrepio. No meio do escuro da noite, ninguém sabe qual o dia que vai nascer. Queremos a festa do novo dia, mas o medo por não saber o que vem aí arrefece o nosso entusiasmo… Entretanto, também há prazer neste sentir-me aprendiz da gestão destas inevitáveis contradições — conflitos de atração/rejeição. Urge é aprender que «a vontade de voar tem de ser maior que o medo de cair». Aprender a investir na «educação da vontade»…
Gosto de me ver assim expectante — como as mães de antigamente, antes de haver ecografias… A mãe tinha de esperar que o bebé nascesse para saber se e se e se… Lembro a minha: — A primeira coisa que eu fazia era ir ver se eram perfeitinhos. Porque um filho, se é perfeitinho, já é bonito...
Nas novas nomenclaturas oficiais de Ação Social, nós já éramos uma IPSS. Agora somos também uma ERPI e a nossa Casa do Gaiato de Beire é um LR2… Pois. Tudo bem. «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». Também as estruturas sociais e os nomes com que as designamos mudam. Ignorar isto é correr o risco de fossilizar(-se) num passado que já não volta mais.
Centro-me no Calvário. Tento entender de onde me vem este medo, a par desta esperança da festa de retomar o caminho — um caminho que nos reconduza à terra prometida… Não podemos deixar de ser Calvário — palavra nova, única e irrepetível. «Palavra tirada do Evangelho». Hoje, aqui e agora. Busco.
Esbarro com a nossa impreparação (de ambas as partes) para o necessário diálogo3. Este que, sem ignorar as diferenças da missão de cada uma das partes, sempre tem presente a busca de uma comunião que nos leve a um porto seguro — humanizar a vida dos nossos irmãos que, como nós, sentem o grito da própria vida. A chamar por Mais Vida…
2. «Pecados» de uma IPSS… Dito de uma ERPI, dito de uma IPSS. Porque a dificuldade e/ou facilidade de dialogar não está dependente do clube em que se está inscrito. A capacidade de dialogar é-nos dada em semente (in virtu…), ao nascer. Mas, depois, tudo depende do rumo que o seu desenvolvimento levar — puxar a brasa à sua sardinha ou cuidar de que o calor da fogueira flua para o maior bem de todos os que dizemos querer servir… A tentação do tentar ser servido (servir-se dos outros para…) é de tal ordem que até limparam o cebo àquele Nazareno que, já lá vão 2024 anos, tentou mostrar que o caminho não pode seguir por aí…
Não há dúvida que, já desde o princípio (Gn 4), o homem4 se foi dando conta de que, se não nos pomos a pau, o nosso Caim sempre quer matar o nosso Abel… E a batata quente está aqui: Caim empurra para os outros o dever e a urgência da mudança… Esquecido de que é na reciprocidade da comunhão amorosa que nos vamos fazendo uns aos outros. Numa sinodalidade que deixe de ser mais uma bonita abstração— com "bênção papal" e tudo…
Esse Caim e Abel, que sempre conflituam dentro de nós, precisam empenhar-se na construção dessa barca que dá pelo nome de Ação Social. Em teoria, o rumo está definido — agilizar uma ação humanizadora que não se fique pelo abstrato. Na prática, há que abrir caminhos, na senda da Boa Nova do Filho do Carpinteiro e da ação profética de Pai Américo, no Portugal dos anos 40 / 50.
3. Dos «pecos» não reza a história… Ali, num quintal bem cuidado, está um jovem diospireiro. Deve ser a primeira vez que se carrega assim. Vi o nascer da flor. O aparecer dos frutos. Tantos que era impossível vingá-los todos. Passo de novo. Mais de metade já estão no chão. Ouço o recado — dos 'pecos' (e 'pecadores'…) não reza a história… Um flash para estas crónicas.
Salta-me o «escrevam como quem reza», de Pai Américo; e de Gandhi, o «escrever sim, mas só para libertar os oprimidos».
Paro-me no jovem diospireiro. Vejo-o a selecionar bem o fruto. Para dar de presente a quem cuida dele. Como se fora consciente de que também um diospireiro tem de saber selecionar caminhos… De Mais Vida — por ordem do Criador.
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1 É emblemática a nossa resistência às mudanças, mesmo às mudanças físicas. Mas a resistência às mudanças mentais levou Einstein a dizer que é mais fácil fazer deflagrar um átomo do que fazer uma pessoa mudar de mentalidade. Na linha de Epicteto (escravo romano do séc. I): «É impossível ensinar a uma pessoa aquilo que ela acha que já sabe…»
2 Lembrando: IPSS — Instituição Particular de Solidariedade Social; ERPI — Estrutura Residencial para Pessoas Idosas; LR — Lar Residencial para pessoas incapacitadas para se governarem sozinhas.
3 Diálogo = dia/dois + logos/palavra que, respeitando a diferença, UNE (sinodaliza!) aquilo que é do interesse de ambos os lados — para o Bem que ambos dizem querer servir.
4 O problema todo é que «homem» é um substantivo abstrato… E só o homem concreto (Abel, Maria, João ou Ana) pode fazer alguma coisa para que as coisas mudem. O homem «abstrato» só pode fazer «sermoas moralizantes» — para os outros.
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]