BEIRE - Flash's
Condenados a «existir apenas»?!...
1. A arte de ex(s)istir… Recebi um vídeo que me deixou a ruminar… Por dentro e por fora. Porque, não são só os outros que estão a morrer… Eu também pertenço a essa geração que corre riscos de estar a morrer, nos seus membros de pertença e em suas instituições. Tidas como expressão de «mais vida e vida em abundância» (Jo 10,10).
Acredito que sou da "família de coração" do poeta Daniel Faria, quando reza: «Pai / Tenho medo de morrer depois da morte / Tenho medo de morrer antes da vida». Mas não quero que o «medo de cair» me roube o «desejo de voar»… Sei que é fácil ser 'otimista' ou 'pessimista'. Difícil é ser realista — viver em busca da harmonia com o "mistério da realidade", de que somos expressão concreta aqui e agora. Ou, como disse Piaget, «é fácil ser radical — preto ou branco. Difícil é obter o cinza. Por isso custou tanto ao homem atingir o pensamento dialético». E mais ainda, atingir a arte de existir — dialogando, em sinodalidade produtiva…
Ouço o vídeo «A geração de ferro está a morrer». Recebi-o via 'amiga e admiradora do Calvário', que muito nos vale no apoio aos doentes, em situação de análises clínicas.
«Está a morrer a geração que não tinha estudos, mas educou os próprios filhos. Estão a morrer aqueles que, apesar da falta de quase tudo, nunca permitiram que faltasse o essencial em casa. Estão a morrer aqueles que incutiram valores e começaram pelo amor e pelo respeito. Estão a morrer aqueles que ensinaram aos homens o valor de uma mulher e o respeito pela humanidade. Estão a morrer aqueles que viviam com poucos luxos sem se sentirem frustrados por isso. Estão a morrer aqueles que trabalharam desde pequenos e ensinaram que as coisas têm valor e não preço. Estão a morrer aqueles que atravessaram mil dificuldades sem desistir e nos ensinaram a viver com dignidade. Estão a morrer aqueles que, depois de uma vida inteira de sacrifícios e dificuldades, vão embora com calos nas mãos e cabeça levantada. A geração que ensinou a viver sem medo está a morrer. E, se nada aprendermos com eles, alem de não termos aprendido a viver, acabamos por nos transformar em meros objetos. Apenas existimos — corpos sem alma e sem futuro».
Sinto-me dividido. Há que ser realista,mas sem perder a esperança! Acreditar que «a utopia é o sonho do homem acordado», ou como alertou Einstein: «A utopia é a realidade do amanhã»…
2. Risco de morrer sem ressuscitarmo(-NOS) ?!… Olho-me. Olho os meus filhos e netos. Olho tantos companheiros de viagem, com seus tantos filhos e tantos netos — tudo gente que ainda promete. Ouço: — Bom. Nem tudo é mau. Há que ter confiança!… Tento abrir bem os olhos. Ver a realidade — com suas inegáveis limitações. Mas também com suas inimagináveis capacidades, a falar de «um novo Céu e uma nova Terra»… Para quem sabe ver com outros olhos que não os dos «profetas da desgraça», até já se vislumbram os rosicleres de um novo dia que vai nascer — na Igreja, na Sociedade, na alma de muitos que tentam aprender a ex(s)istir — a estar-de-pé, no meio da tempestade. Sendo si próprios, num mundo que parece a desabar…
Olho a Obra da Rua. Olho o Calvário. Em sobressaltos constantes. Tensões (in)evitáveis entre Deus e César / entre César e Deus — à espera de que surja a tão desejada sinodalidade. A unir Deus e César / César e Deus — porque os filhos de um lado são também os filhos do outro. Ouço: Portugal, África e sonhos de por aí fora… Mais olhos que barriga ou vozes do Espírito a chamar por caminhos não andados que esperam por alguém?!… Olho. Deixo-me sentir. Uma instituição (Obra da Rua!) que não me deixou cair no vazio de não saber ex(s)istir. Uma instituição a que devo muito do desabrochar que aparece no por dentro de um admirador…
Olho-me na minha velhice e nas minhas crescentes limitações. Interrogo-me: estou no Calvário a estorvar ou a ser «ainda útil ao mundo, nas minhas pequenas tarefas, mas sobretudo, no meu testemunho de paciência e bondade, serenidade, alegria e paz»?!… Com imenso júbilo interior, ouço: — Deixe-se estar. Isto está ainda em transição. Precisamos de si. É da família… Sei que nem todos olham com os mesmos olhos. Sei que busco ver(-me-nos) com os olhos de Deus. E vamos deixando que Deus vá dizendo como aceita este nosso jeito de obedecer ao seu mandato — crescei, multiplicai-vos e governai a terra. Criando uma Obra da Rua, um Calvário, um ISS com suas IPSS, ERPI e LR… Sem vos tornardes «senhores absolutos/tiranos» daquilo que vos é confiado para governar e passar mais rico à geração que vos sucede…
3. Um «novo Céu» e uma «nova Terra»… Gosto de saborear esta utopia que, vinda lá do fundo do longo processo de hominização, encontrou no Filho do Homem a expressão mais completa — rosto visível de Deus Invisível. Porque fez Sua a utopia de toda a humanidade — passada, presente e futura. Espalhou a Boa Nova da esperança de que ISSO até já está a acontecer e não é loucura do homem, mas vontade de Deus. Ora, se Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Desde então, 1940, a Obra de Deus ainda não parou de nascer. Estamos a dá-la à luz. Não podemos abandonar este parto difícil…
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]