BEIRE - Flash's

No Calvário, «isto» aconteceu...

1. Chuva, em lágrimas de alegria… Era um sábado chuvoso (05/10/2024). Os mais atentos já tinham apanhado uns zunzuns… No sábado vai haver festa. Vêm cá os Escuteiros. Fujo do resmungo ritual: a mim ninguém me disse nada… Deixo-me a saborear a festa antecipada que aqui se vive sempre que cheira a festa — fome de que aconteça mais vida.

Gosto de me sentir assim aberto ao mais do que isso… Como criança que, de olhos bem arregalados, nem pestaneja — porque teme que lhe fuja alguma coisa da incrível novidade que é a vida… Essa mesma vida que, de milhentas formas, pulula aqui no Calvário. Um Calvário que sempre olho como uma revelação(1). Que já aconteceu. E quer continuar a acontecer — para glória de Deus Pai e dos Homens por Ele amados…

A meio da manhã, começaram a chegar. E, porque chovia sem sinais de que fosse para parar, foram sendo encaminhados lá para baixo, para a Casa dos Rapazes… Era palpável a cara de espanto no olhar de muitos. Das coisas bonitas que o Escutismo tenta transmitir é o gosto pelo aprender a ver… Ver, nas coisas visíveis, a Força e a Vida que elas sempre escondem. Mas sempre revelam, sempre fazem luz sobre o Invisível do nosso Deus Criador do Céu e da Terra — nosso legislador e remunerador

A manhã passou-se assim — em sussurros de querer adivinhar onde e quando vai acontecer a festa… Que sempre pede música, cantigas populares, um desenferrujar as pernas numa dança a gerar mais proximidade… Sem faltar um pitéuzito — a pôr-nos a salivar por mais…

Acabados de almoçar, paramos ali no aliciante Espaço de Lazer que medeia entre a sala de jantar e as camaratas do estar recolhidos… Ir. Laíde, uma mestra da animação de grupos paroquiais, vai distribuindo instrumentos de todo o jeito e gosto — pandeiretas, ferrinhos, batuques, reco-reco, pinhas. Mas as tenções estavam divididas. A novidade não era a irmã, eram os Escuteiros que nunca mais chegavam…

Olha, já estão a vir!… Mas afinal ainda não era chegada a hora. Mais um bocado e… agora vem mesmo!…

Já sobre as 15h, fugindo da chuva, começam a chegar escuteiros mais escuteiros e ainda mais escuteiros… Um nunca mais acabar.

2. Se conhecêssemos o "dom de Deus"… Finalmente, aqueles olhos arregalados começam a ter pasto para ver. — Ui, são muitos!

Parece que são uns oitenta… Com idades quase também entre os oito e os oitenta… Bonito de ver e de sonhar. Afinal, sempre há quem saiba que no céu ainda há estrelas e na selva ainda há mais vida!(2) Parabéns ao Núcleo Este que acalentou a ideia de que os 16 Agrupamentos nele representados viessem até nós — para nos conhecer e dar-se a si próprios, no que sonham e fazem.

Lá de cima do 1º andar, no dito Espaços de Lazer, vemos, cá em baixo, no rés-do-chão, os grupinhos a formarem-se e a querer explorar aquele espaço maravilhoso. Nas paredes, uma exposição dos desenhos originais do livro de Pe. Telmo Aldeia dos Leprosos. Que Nucha Cardoso ilustrou com tanta arte e saber. E, em requintado destaque, também ali figura, alinhado e alindado por Volker Schnuttgen, o esqueleto da velha carvalha que presidiu ao nascer e crescer do Calvário. Sempre a brindar os doentes com o fresco da sua sombra e a novidade das vidas que se albergavam sob a copa dos seus ramos, seus musgos, seu tronco carcomido… Tudo habilidosamente descrito, num texto de exemplar realismo, gravado em chapa, ali mesmo aos pés daquele histórico tronco. O texto é de Pe. Baptista, publicado a seu tempo nas páginas d'O Gaiato.

Grupinhos daqui e grupinhos dali começam a subir para onde os doentes eram. Todos parados a ver. De um e outro lado, começa o namoro do desconhecido — nesse encanto do descobrir como conhecer melhor…

Qual é a canção que vocês mais gostam de cantar, qual…

A festa começou. Num crescendo de revelações. Dentro daquele espaço envidraçado, aconteceu o milagre daquela tarde. Canções, expressão corporal, música, baile, danças envolventes que puxam a todos para a roda ou para os pares de um pezinho de dança…

As lágrimas da chuva que caía lá fora viraram lágrimas da alegria que acontecia cá dentro. Essas lágrimas que, no entender dos estudiosos da matéria, falam de «alegria que abole o tempo», falam de «amor circulante», falam de uma fonte de «grande produção de oxitocinas — a hormona do amor, responsável pelo nosso bem-estar e pela nossa saúde física, emocional e espiritual».

Para quem sabe e pode fazer isso, não deixem de ver e saborear as imagens e vídeo que muitos quiseram registar e irão aparecer na «página da Obra da Rua». Essa bênção que, fiel e semanalmente, o nosso Alberto Carneiro põe na internet.

3. Depois d'isto, a Ciência diz que… O espaço já não dá. Mas um dia que se preste, quero partilhar o que, a meu ver, sobre isto, diz a Ciência, a Técnica e a Arte (CTA) ao serviço da música como poderoso auxiliar do cérebro para produzir as tais «hormonas da saúde e do amor».

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1 Esta palavra 'revelação' tem em mim um sabor especial. Uma realidade que me ultrapassa, me arrasta e me alarga em meus curtos horizontes de ser. Um ser sedento, um ser sequioso, um ser de desejos de um mais além, sempre em busca de mais vida

2 Ficou-me gravada esta mensagem de Baden Powell — o fundador do Escutismo: «Ide dizer aos Rapazes da cidade que no céu ainda há estrelas…»

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]