BEIRE - Flash's

Família (AIF) — faz trinta anos que…

1. O Ícone do Ano Internacional da Família. Nunca mais esqueci. A Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 1994 como Ano Internacional da Família (AIF). Portugal teve, então, um importante papel nesta decisão em que se pretendeu valorizar e reforçar a família em todo o mundo. Por força das circunstâncias, fui chamado a participar - como 'formador' - em grupos de pais, professores e auxiliares da ação educativa. E, logo de seguida, grupos de Centros de Dia e agentes do Apoio ao Domicílio. Cheguei mesmo a ir a um Encontro Internacional, em Trieste, com um grupo dinamizado pelo Serviço Social da Câmara de Lisboa.

Numa apaixonante partilha de experiências, fomos dizer ao mundo aderente à proposta da ONU o que andávamos a fazer aqui em Portugal - buscas de diálogo entre o Estado e a Igreja, timonada pelo então Papa S. João Paulo II. Quem acompanhou de perto e com atenção aquele evento, sabe bem como o AIF foi celebrado com entusiasmo e mobilização. É justo recordar que as inúmeras atividades desenvolvidas valeram a Portugal um prémio de reconhecimento da ONU.

O lema «Família, torna-te aquilo que és» aparecia em todo o lado a convidar a uma tomada de consciência que se impunha. E se impõe ainda mais, hoje. Lembro uma grande imagem publicitária – mupi ! – em Londres: Uma criança sozinha, ar deprimido, diante de brinquedos com que não brincava. A ilustrar, este pensamento de Balzac É urgente salvar o casamento daquele monstro que tudo devora — a rotina.

Trago nos olhos e na mente o ideograma, escolhido como símbolo do AIF – 1994. Deixai-me que vo-lo descreva. Um grande coração protegido por um telhado, unido a outro coração, para simbolizar o amor no lar, onde cada um encontra carinho, ternura, conforto, segurança, companhia e compreensão.

Do lado direito, o desenho está aberto, para indicar a continuidade da família e que esta não deve fechar-se em si mesma, mas deve estar aberta ao exterior, à sociedade. O traço do lado direito do telhado aberto termina em linhas desiguais, querendo dar a ideia da complexidade da família e de que esta não está acabada nunca, mas está sempre a fazer-se, a crescer e em renovação.

Rumino: Família – uma "pátria do coração" onde cada um possa encontrar o carinho, a ternura, o conforto, a segurança, a companhia e a compreensão de que sempre precisamos para viver livres e felizes. Acho que esta "perceção" da família aponta muito para um dado que corre risco de perder-se: A Família é, por natureza, a melhor fonte de resposta para as nossas necessidades afetivas específicas, mais conhecidas como necessidades psicoafectivas. Fenómeno bem patente na criança que chora e não quer ir dormir, só porque ainda não recebeu aquela sua "dose de mãe" que lhe é indispensável para dormir bem, serena e tranquila. Coisa que aqui em Beire é patente no comportamento habitual de alguns doentes.

2. Ser IPSS, ser ERPI e (…) ser família... Há em S. Paulo uma palavra a que gosto de dar voltas com frequência: «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a vida e acreditam na Providência». Olho os anos passados. Vai já para dez em que, por insondáveis desígnios que me ultrapassam, fui chamado a voltar ao Calvário numa hora de emergência. Verdade que trazia comigo o gosto de escrever neste estilo que, muito jovem ainda, aprendi a beber em Pai Américo. Depois de um ano aqui a observar o dia a dia no Calvário / Casa do Gaiato de Beire, arrisquei escrever uma crónica que enviei a Pe. Júlio – se achar que tem interesse, pode publicar n'O Jornal… Não ia assinada. Pe. Júlio batizou de um admirador. E ficou. Gostaria de saber dizer-vos o quanto este escrever(-me) como quem reza me tem transformado. Obrigado Pe. Júlio, obrigado leitores cujos ecos também empurram para diante…

Lá naquele tempo, aprendi que a palavra de S. Paulo é «palavra revelada». Acabada a 'teologia formal', inscrevi-me (vai para 25 anos…) na Escola de Espiritualidade, uma iniciativa da Igreja na Galiza. São quatro anos de 'teologia de vanguarda' que, rotativamente, se vão renovando em atualizações constantes, segundo os 'novos rumos da teologia'. Verdade que adoro pensar e repensar a «palavra revelada» — alargando os meus 'campos de consciência' sobre um tema que me empolga. Assim, hoje, até acredito mesmo que, em sentido mais alargado, também é "palavra revelada" aquela do nosso poeta: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce»...

Pai Américo refere-o muitas vezes. E eu gosto de ficar a ruminar: Sempre que um homem se deixa sonhar a vontade de Deus para a solução de um problema que aflige os Seus filhos, aí o homem que sabe sonhar acordado dá consigo a gerar a obra que será res+posta nas mãos de Deus em favor dos que mais sofrem…

Neste momento em que, já habituados ao IPSS, nos vemos pressionados por ERPI, LR e quejandos, com sua Direção Técnica, sinto-me convidado a «rezar» muitas vezes aquela de Tagore(1): Serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar; Coragem para mudar aquilo que ainda posso mudar; Sabedoria para aprender a distinguir bem uma coisa da outra.

Senhor, tenho medo de cair na tentação do mais fácil – pensar que não posso mesmo mudar nada…

1 – Aprendi como sendo de Tagore. Mas já o vi como de S. Francisco. (…). Recordo a Imitação de Cristo: «Não olhes a quem diz. Olha ao que se diz».

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]