BEIRE - Flash's
Onde estiver o teu "tesouro", aí...
1. Da publicidade do PAN ao Calvário… Lembro que lá nos meus tempos de menino e moço, registei, com aquele gosto que só o mistério me sabe dar, um dito da Escritura: «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6, 21-23). Ficava-me a ruminar a palavra tesouro e a palavra coração. Sem saber ainda bem o que estava a acontecer, intuía já que as mesmas palavras têm muitos significados – que é preciso desvendar. E isso tem-me servido de alerta para ver por onde e como anda isto dos meus apegos – um tema base para qualquer bom trabalho de psiquiatria… Ai quantos desarranjos emocionais, a estragar vidas que nasceram para «voar alto como as águias e passam o tempo a rastejar como aves de capoeira» porque não aprenderam a desapegar-se de…
Nos arranjos e desarranjos da nossa vida política, seduz-me observar as técnicas da publicidade espalhada pela cidade a querer apanhar-nos os nossos votos… Lembro que, na minha paixão pela «realidade escondida por detrás das palavras», também fixei esta: «A publicidade é a 'artimanha' de agarrar aquele fundo de estupidez subjacente em cada um de nós» – para, depois, melhor nos manipular… E é por aqui que, muitas vezes, dou comigo apanhado por aquela d'o tesouro e d'o coração… Vindo do Porto pelo lado das Antas, frente à curva que liga a Av. Fernão de Magalhães à VCI, esbarro com dois mupis publicitários – um do PS e outro do PAN. Sistematicamente, o mupi do PAN traz-me até ao Calvário – não me descartes… É a imagem de um cãozito, de olhar meigo, enterrado num caixote do lixo, a pedir justiça também para ele – porque nem um cão nasce para ser descartado…
De tanto andar por aqui n'isto de botar a mão à nossa "miséria humana", dou-me conta das imensas cenas de descarte que por mim já têm passado – quer comigo no ativo quer comigo no passivo... Porque, ao longo dos anos, todos vamos sendo descartados e descartadores… Estamos todos constituídos em nosso próprio desafio – tomar consciência ativa de que ninguém nasce (nem os cães) pare ser descartado… E nesta minha, quase mecânica, reprise sistemática de ir buscar filmes do passado, vejo descarte de cães, de gatos e… de gente que, como eu, precisa de gente que não nos descarte… Gente que conheci e estimei. Gente que conheço e estimo. E, para não sofrer tanto, lá me refugio naquela da Serenidade para aceitar aquilo que eu não posso mudar. Sei que é um mecanismo de defesa necessário para não endoidar… Mas não quero esquecer de que também pode ser uma racionalização (outro mecanismo de defesa), uma desculpa de mau pagador, para fugir ao trabalho de buscar a Sabedoria que leva à Coragem para mudar o que pode / precisa de ser mudado.
2. Gosto de "chamar pelo nome aos bois»… Deixo-me a boiar nas ondas da memória nestas matérias do descarte. E no meu sonho acordado de um Calvário vivo como «palavra tirada do Evangelho». A pedir que Ele viva, ressuscitado em cada época da história e em cada lugar onde os «filhos de Deus» lutam por um lugarzinho ao sol. "Até ao dia que se chama «Hoje» – esse dia sem ocaso que põe fim ao nosso buscar e nos fixa definitivamente «nos braços do Pai que está nos Céus»…
Penso naquel@s a quem estive presente na hora da despedida. Penso noutr@s que deixaram transparecer aquilo que observadores dessas horas nos foram deixando registado – para tomarmos em consideração. Registei: «o melhor presente para um@ moribund@ é permitir-lhe morrer na sua própria casa e nos braços daqueles que ele ama e de quem se sente amado». Desfio casos e casos. Isaurinha, a mãe dos meus filos – «não me deixem morrer no hospital, sozinha...». D. Selene, uma mãe do Calvário que, naquele domingo faltou à missa, a explicar-nos, com bem sentido orgulho: – A Glória (uma doente nossa) morreu nos meus braços. Eu pressenti que ela não estava bem. Por isso é que não fui à missa... Enf.o Luís, de serviço naquele dia, ufano também, às 22h e piks, liga para mim: – A Alice acaba de partir. Morreu como um passarinho. Aliás, foi assim que sempre viveu…
Contraste: A nossa Mariita (92 anos), pelas 14h e piks, foi levada para as urgências. Morreu, no montão das esperas – sozinha – às 03h da manhã.... António Henriques, braço direito de Pe. Baptista, durante dezenas de anos. Porque não havia lugar aqui no Calvário, andou por aí de Lar em Lar e, mesmo já no fim, foi enviado de um Hospital vizinho, para os Cuidados Continuados, em Boticas. Ouço os filhos a chorar porque levaram o Paizinho para tão longe, nós temos de trabalhar e não podemos ir vê-lo. Ele vai morrer sozinho – que é o que ele tanto nos pediu. Penso numa tia Alice, vizinha daqui, que desde muito nova sempre lia O Gaiato de fio a pavio. Mesmo já depois dos seus 90 anos… Um domingo P.e Telmo foi celebrar à sua paróquia. Parece que viu o paraíso – n'aquele santinho que ela sempre lia…
Acamou. Um seu filho único cuidou enquanto pôde e manteve O Jornal por amor dela. Já exausto, pediu o Calvário. – Estamos em obras; não podemos meter mais ninguém. Foi levada para Cuidados Continuados no Marco. – Assim, quem é que pode?!...
E tudo se faz «para humanização dos Serviço Nacional de Saúde»… Como se a nossa saúde (salvação…) fosse apenas uma dimensão biológica…
Um admirador
[Escreve segundo o acordo ortográfico]