BEIRE - Flash's

De Bruçó (1925) a Beire (2025)...

1. … Ninguém sabe pró que nasce… Gosto de recordar os meus "caminhos já andados". Sobretudo quando eles me fazem luz para abrir novos "caminhos não andados" — que, por ventura, ainda terei de trilhar… Recordo litanias lá de casa — ó filho, são os mistérios de Deus; Olha pr'aquilo… só lhes falta falar; Os animais são como nós – só que não têm alma; Até dá gosto olhar os campos – tudo a prometer um ano bom, Deus louvado!...; Há que ter Fé — Deus que dá a panela também dá as couves pra ela"… Ou: "Deus vem com o dia, vem com o remedeio"…

É a Véspera de Natal. Sentado diante do computador, aqui no meu quarto, ouço tudo o que se passa ao lado. Na salinha de Pe. Telmo — também nossa salinha de estar. São conversas de Barragistas(1) que passam, são sobrinhos e/ou filhos e netos de Pai Telmo. Vindos de Picote, Cambambe, Casa do Gaiato de Malanje. Porque é Natal, há que vir saudar aquele que foi mais que meu pai; saudar um amigo de quem não me posso esquecer

Sucedem-se as visitas e os telefonemas. Os abraços, os beijos, os olhares – tudo a ressumar a ternura de quem se sente família, mesmo que só de coração… Traduzindo o que ouço, 'vejo' toda a festa dos 100 anos, já em construção(2) do remate final. Porque, no próximo 25 de novembro, data do seu nascimento para o mundo exterior, fechamos a celebração dos 100 anos de uma vida que, como qualquer outra, começou 9 meses antes… Porque é aí que toda a vida começa. A ser condicionada — facilitando e/ou inibindo o seu desabrochar. Para, depois, caber a cada um decidir e redecidir o rumo que quer dar a essas 'heranças' que lhe cabem em sorte. J. P. Sarte via longe: «Nós não somos responsáveis por aquilo que fizeram de nós, mas tornamo-nos responsáveis por aquilo que fizermos daquilo que fizeram de nós»…

Da boca de Pe. Telmo, de viva voz, ouço memórias da meninice. E também as posso ler, sobretudo pela pena do Henrique Manuel, em obras que nos desfiam o desenrolar da vida do Telminho da Isabelinha – esse que, mais tarde, se revelou como O Homem que do Lodo fez Estrelas…

2. … ser "instrumento da Sua Paz". Deixo-me encantar pelo que vejo e ouço. Deixo-me ficar quietinho no meu canto de observador e admirador... Concluo: realmente, 'ninguém sabe pró que nasce'. Mas, quando se aprende a conectar-se com a Sabedoria que nos vem do alto (artisticamente celebrada em Santa Sofia de Istambul!...), pode começar-se a intuí-lo. E penso que terá sido isso que aconteceu com Pe. Telmo. Imagino-me a ouvir a Isabelinha, sua mãe, a responder à vizinhança, quando esta lhe elogiava o ajuizadinho que já era o seu menino: — Que nunca o diabo me dê com ele!... Como Maria, a mãe de Jesus, também Pe. Telmo guardava estas coisas em seu coração (Lc 2, 34-35)… A gatinha que o procurava quando ele se refugiava no lameiro, sozinho, a ler, a contemplar, a sonhar, a rezar… A vaca mocha, sem um corno, brava/louca para toda a gente, mas mansinha com o menino da Isabelinha

Tudo isto aliado a um dom(3) muito particular que, ao que parece, tem caracterizado Pe. Telmo desde pequenino – uma sensibilidade muito particular ao bem-estar integral do outro. Independentemente da cor da sua pele, condição social, filiação política ou religiosa. Muitas vezes, já aqui no Calvário, ouço dizer que eu não sou crente, mas Pe. Telmo inspira-me paz, serenidade. Não sei dizer, mas sempre encontrei nele um pai, um amigo capaz de tirar a camisa para a dar a quem dela mais precise…

No meu gosto de buscar o de onde vimos e o para onde vamos, mesmo sem nenhuma resposta de aceitação universal, desde há muitos anos, dou comigo a comtemplar(4) Pe. Telmo no seu jeito de ser si próprio – ser ele mesmo, em suas riquezas e suas pobrezas. Condicionado pela sua história pessoal e pelos seus dons de «palavra nova, única e irrepetível», acho que Pe. Telmo, mesmo sem ter muita consciência disso, terá descoberto aquilo que foi o segredo do próprio Jesus - amar é dar aos outros a Paz que o mundo lhes tira…

3. Dom que se fez 'um Grande Dom' para… Proposta por Leo Buscaglia como «segredo de toda a felicidade», desde muito cedo, guardei para mim aquela de «pegar no dom da vida que nos é dada e fazer dele um grande dom para toda a comunidade em que estamos inseridos». Do comvívio com Pe. Telmo, descubro que ele, mesmo sem ter lido Leo Buscaglia, sempre tem feito isso por onde a vida o tem levado — na família de sangue e na sua vasta família de coração — paróquias por onde passou, barragens que capelaneou, Casa do Gaiato de Malanje que fundou e… até o Calvário onde agora é.

Deus louvado porque o trouxe e me trouxe até aqui!!!

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1— Barragistas – titulo de um livro de Henrique Pinto, em homenagem a Pe. Telmo e a quantos com ele criaram essa Família do Coração que ainda hoje, sempre que pode por aqui passa…

2 — Ruminando a palavra construção, intuo que é "uma ação de, em conjunto, levantar uma estrutura" — que neste caso é uma vida já 'centenar'…

3 — Aquele «dai de graça o que de graça recebestes» sempre chamou a minha atenção. Como um alerta no comando da minha vida – o doado é para doar

4 — In illo tempore, os templos sempre tinham o seu "santo dos santos", onde só uma vez por ano e só o sacerdote em serviço naquele ano, podia entrar - para comtactar com Deus…

Um admirador

[Escreve segundo o acordo ortográfico]