BENGUELA

Desafios

Os conceitos nem sempre querem significar para o leitor aquilo que vai na alma do escritor. A hora de escrever estas notas encontrei-me com esta inquietação terminológica de dois conceitos: primeiro - "dificuldades" e o segundo - "desafios". Por razões pedagógicas e de sensibilidade face ao contexto em que vemos acontecer os factos da nossa vida, e por preferência optamos por intitular esta comunicação com o segundo termo.

A educação é tarefa que exige meios e metodologia adequados em cada uma das fases pelas quais os educandos vão ganhando maturidade, responsabilidade e autonomia. Os desafios neste campo também são imensos. Num contexto de insuficiências do ponto de vista da aquisição de meios de primeira necessidade para a sobrevivência das pessoas escrevemos a palavra DESAFIOS com as letras maiúsculas. Digo desafios pelo lado optimista e de senso de positividade diante das inúmeras preocupações com poucas possibilidades de resolução. Faz duas semanas que se avariou o motor da nossa carrinha Canter, que tem andado há muitos anos ao serviço da Casa, quer para transportar os rapazes para as deslocações à escola, hospital, praia, passeios, quer também para levar os produtos do campo ou das compras feitas na cidade. Só para as idas até às escolas dos rapazes faz por dia em média sete viagens até à cidade, leva e traz rapazes conforme os turnos em que cada um está matriculado e também para as actividades extra-escolares. E também vai com os rapazes quando é dia de compras. Agora aqui também todos os dias são de compras por causa das alterações constantes do preço das coisas que nos são necessárias para o dia-a-dia. No quadro de instrumentos marca mais de 400 mil quilómetros já de rodagem. Estamos neste momento muito aflitos sem o transporte para apoiar os trabalhos e as necessidades de deslocação da vida de Casa. O mecânico que habitualmente acompanha a manutenção da viatura, mostrou-me o motor completamente aberto e para a substituição das peças para a reparação pediu-nos 500.000 cuanzas equivalentes a quase 1.200,00 euros no câmbio local. Aguardamos a entrega da carrinha já reparada e com a factura da mão-de-obra ainda por pagar. Grande parte dos rapazes vão à escola levando o dinheiro consigo para pagar o serviço de táxi. O importante é que a sua educação continue apesar das circunstâncias adversas. Quem dera não nos viesse a faltar nesta hora aquele gesto de benevolência das pessoas de boa vontade que nos ajudassem a arranjar uma carrinha para levar os rapazes à escola e para outros trabalhos de Casa. Aguardamos confiantes. Ao que é dado aos pobres, fica reservado para aquele que deu, receber outro tanto das mãos de Deus. Neste contexto de necessidades acrescidas faltou a água há uma semana, o povo acorreu em nossa Casa pedindo socorro. Ninguém sabe explicar o que se passa com os serviços de atendimento das empresas das águas. Ligamos um motor a gasolina e convidamos o povo a permanecer na avenida enquanto os rapazes faziam a distribuição da água nos baldes. É água igual àquela salgada que se encontra no mar. Grandes aflições! Para todos graças a Deus ainda resiste imbatível a esperança em dias melhores no que diz respeito a melhoria das condições de vida do nosso povo humilde. A conclusão é de Pai Américo «Para chegar a conhecer bem os Pobres, tive primeiro que me tornar conhecido deles, comparticipante das suas lágrimas, desejoso da sua penúria.»

Padre Quim