BENGUELA - VINDE VER!
Depois de quase um mês de ausência motivada pela convocatória para participar da magna reunião dos padres da Obra da Rua, eis que regresso a Casa com prontidão, como acontece a um soldado depois do tempo de recruta, para acudir às grandes preocupações que no acompanhamento através da comunicação rápida garantida pelo sinal da internet ao telemóvel me chegavam desde Benguela. Momentos antes da minha partida, preocupado em encontrar alguém que assumisse a responsabilidade de dirigir a casa com 130 rapazes, mais 70 trabalhadores e uma imensidão de desafios no dia-a-dia, durante o tempo da minha estadia em Portugal, veio-me uma luz em forma de sinal de interrogação. A quem procuras? Um onde encontrá-lo? O que procuras lá fora pode ter já sido dado de graça e está mesmo em tua Casa. Mas em Casa só tenho rapazes e alguns ainda muito novos para assumirem responsabilidade pelos mais pequeninos.
Somos a Obra de Rua - Obra de rapazes, para rapazes, e pelos rapazes. Está aqui desfeita a barreira da incerteza, a resposta da minha inquietação e aberta ficou ao entendimento a alegria de dar aos rapazes a ocasião para realizarem em plenitude aquele "pelos rapazes" que aparece no nosso lema. Assim, ficaram os próprios rapazes a assumir as responsabilidades de conduzir a comunidade a bom porto. E souberam todos caminhar como deve ser em Casa de família alargada. Ao regressar a Casa houve gritos e abraços de contentamento. Os laços familiares são mais fortes que o medo do coronavírus. O afecto e o calor no seio da família o expulsam para longe. O testemunho da vivência em família neste espaço de tempo foi positiva. Muitas pessoas que visitaram a Casa estavam admiradas como tudo funcionava como deve ser num dia normal de uma Casa do Gaiato. O chefe-maioral era o capitão da equipa e com ele todos os outros rapazes maiores jogavam a mesma bola, rumando em marcha única para o bom andamento da vida e de Casa; a presença de todos nos actos de comunidade, o ir e vir das escolas lá fora e dentro de Casa, os horários de trabalho de cada um, a catequese, a reza diária do terço no fim do dia, a organização da celebração da Santa Missa aos domingos (a cargo de um sacerdote da Diocese). Qualquer dia, há-de ser celebrada por um sacerdote que foi criado nesta Casa. Já temos um seminarista ainda no propedêutico e mesmo assim já temos muita esperança.
Nestes primeiros dias do meu regresso tenho estado longas horas a escutar os rapazes, os trabalhadores, os visitantes, os pobres que batem à nossa porta. Todos vêm sorridentes a dar as boas vindas e a saudar. Só os rapazes sabiam da viagem e do regresso, todas as pessoas com quem me encontro perguntam se a viagem correu bem. Somos uma única família. Os rapazes estão dentro da nossa Casa. A outra parte é a família que está lá fora e nos acompanha como se estivesse aqui dentro. Os nossos amigos e todos os nossos benfeitores, de longe e de perto, os que revelam a sua identidade e os que não querem que o mundo saiba o seu nome, mas, sim, o seu gesto de amor para com os mais pobres. Estes não querem que a mão esquerda saiba o que faz a mão direita. Seguem à risca as orientações do Mestre. Pois sabem que a recompensa vem de Deus que vê o que se faz e está oculto aos olhos dos homens. Toda a pessoa humana para ver reconhecida cabalmente a sua dignidade deve ser livre de pensar e de agir de acordo com a sua consciência. Assim, e porque a Casa do Gaiato é uma escola de oração e de trabalho, são dadas linhas orientadoras para que todos possam crescer como homens educados, trabalhadores e responsáveis. O trabalho e a oração, bem como o recreio, têm as suas horas marcadas. Cada um sabe qual é a sua tarefa e todos são responsabilizados pela mesma. Caso não a cumpram são sujeitos ao "tribunal" da comunidade e aí devem assumir os seus erros e procurar emendar-se.
A conclusão é de Pai Américo «Nós somos trabalhadores de primeira linha; trabalhamos mais de oito horas por dia. O nosso sistema exclui todo e qualquer pessoal auxiliar. Os orientadores são em muito pequeno número e a sua acção é agachada. De forma que esta primeira quinta será o local do primeiro desdobramento da Casa do Gaiato. A seu tempo irão obreiros de Paço de Sousa, como vieram para cá os de Miranda do Corvo, fundar. Eles hão-de trabalhar, dirigir, zelar aquilo que é deles, para eles, por eles».
Padre Quim