CALVÁRIO

Nabot de Jezrael tinha uma vinha em Jezrael, ao lado do palácio de Acab, rei da Samaria, e Acab assim falou a   Nabot: Cede-me tua      vinha, para que eu a transforme numa horta, já que ela está situada junto ao meu palácio; em troca te darei uma vinha melhor, ou, se    preferires, pagarei em dinheiro o seu valor. Mas Nabot respondeu a Acab: IHWH (O SENHOR) me livre de ceder-te a herança dos meus pais!

1 Reis 21, 1-3

A história de Nabot, que significa possivelmente broto, é a história de uma vítima de assssinato premeditado pela tentativa de posse desmesurada de um pedaço de terra ancestral. Jezabel, a rainha Sidónia que favoreceu o culto pagão ao Baal cananeu, trama um processo judicial para eliminar o homem de Jezrael. O profeta Elias, que também é ameaçado, vai profetizar contra a casa de Acab, que não se interessava muito pela religião... Não tem escrúpulos. Cede à vontade da mulher.

No Calvário plantou-se, em dois mil e vinte e um, uma vinha nova. Agora está guiada e aguarda frutos. Outros haviam plantado, outrora, outras vinhas. Que a seu tempo foram férteis. A terra é a mesma que Pai Américo pediu aos senhores da sua época, para aqui instalar um abrigo, uma casa destinada a doentes, onde os pobres mais pobres, os Inválidos, pudessem morrer. Ele também pensaria na sua própria morte. Sim, para morrer é preciso um lugar. Não basta uma lei. Após o seu passamento coube a Padre Baptista dirigir as obras do Calvário e da Casa do Gaiato de Beire. As pedras brotaram da pedreira da Quinta da Torre, os pedreiros vieram de muitos lugares e as plantas dos edifícios foram desenhadas por amigos arquitectos, sabia e caritativamente lidas e construídas. O sonho tornou-se realidade. Muitos doentes encontraram nesta terra um pedaço de húmus, como no princípio do universo, que os acolhesse e recolhesse. Um pedaço de jardim que, fiéis ao pedido do criador, sempre cultivaram, à procura da árvore da ciência que distingue o bem do mal. Embora muitos fossem descartados da sociedade porque não se lhes reconhecia esse juízo moral. Fiéis jardineiros, sem adornos, logo sem reconhecimentos, como augura para os que morrem sobre o bojo, o poeta Daniel Faria, no seu poema Charles de Foucauld.

Vivemos tempos de grandes aquisições e fusões. Aglomerações de pessoas e bens. Mas, simultaneamente, continuam a crescer aqueles que nada têm, porque nada reclamam. Será essa a origem da pobreza, da guerra: não saber pedir? Tiago alertava: pedis mas não recebeis, porque pedis mal (4,3).

E os que cá estamos agora? O que devemos pedir? Como nos proteger da inveja e do ciúme das coisas belas cobiçadas? O culto aos ídolos modernos continua a ameaçar os mais pequenos, os mais frágeis, os sem abrigo, os sem família, os sem trabalho. As falsas promessas continuam a tirar a vida a mulheres e crianças, vítimas de uma sociedade que não as protege porque as ignora.

Esperamos poder colher o fruto do que aqui se planta e cuida. Um fruto que amanhã se converta em sacramento de vida oferecida em sacrifício e retomada em glória, que verdadeiramente não se esgota.

Talvez seja bom pedir a paz e a serenidade. O outro dia ressoou por aqui uma voz ferida pela dor da separação de alguém. Mas uma voz límpida na hora de dirigir a Deus uma prece: ensinai-nos a partilhar o nosso pão com aqueles que têm fome.

Padre José Alfredo