CALVÁRIO

A caridade tem de ser bem ordenada.

Nunca é lícito pôr uma acção má em procura de um bem.

O alicerce da Caridade é a Justiça.

Pai Américo, Isto é a Casa do Gaiato. Volume 1, p. 160

O Evangelho de Lucas do décimo quarto domingo do tempo comum (10,1-12.17-20), que lemos no domingo, dia três de julho, descrevia o envio dos 72 discípulos a todos os lugares aonde o próprio Jesus haveria de ir. Uma provocação pastoral!

Concluía-se, a partir do texto, o maravilhamento dos próprios enviados face ao bem realizado e aos frutos produzidos. Jesus arrefece os seus ânimos e garante-lhes um lugar na eternidade: os vossos nomes estão inscritos no céu. Mas vós deveis ter os pés assentes na terra! O que os discípulos queriam realmente era celebrar o bem realizado como se fosse um acontecimento pessoal, consequência das capacidades humanas que aplicavam. Queriam ser senhores do mundo. Jesus ainda não lhes tinha sido tirado!

Por isso Jesus adverte os 72 das condições em que deveriam anunciar o Reino. Não leveis bolsa, alforje ou sandálias nos pés. Não demoreis pelo caminho.

No Livro do Êxodo (3,1-6) Moisés, na função de pastor do rebanho do seu sogro Jetro, aproxima-se de Deus. Contempla a sarça que ardia sem se consumir. Intui que está num lugar especial. Descalça-te pois o lugar que pisas é sagrado. Ele ficou com os pés a pairar sobre a areia. Não hesitou nem desobedeceu. Humilhou-se, humanizou-se. Cobriu o rosto.

O mesmo Lucas refere-nos no capítulo 15 (11-31) do seu Evangelho a história do filho pródigo e do pai misericordioso. O filho voltou para casa guiado pelo estômago. A fome o conduziu à casa paterna. O pai viu-o ao longe. Foi-se aproximando. Correu para o abraçar e ordenou aos serventes: vesti o meu filho, calçai-o e colocai-lhe um anel no dedo.

O calçado é sinal de humanização e desenvolvimento humano. De bem-estar social e económico. Há relatos de que muitos têm fortunas em calçado. Algum que nunca usaram, outro usado uma vez nalgum desfile, muito simplesmente oferecido para publicidade. Conservam, não partilham. Em Malanje os «Batatinhas» jogam à bola descalços... O apostolado dos mais pequenos!

Jesus, ao incentivar os discípulos a irem sem sandálias, quer significar que os manda como cordeiros para o meio dos lobos e isso é extremamente significativo. Uma provação antes da prova final. Aqueles que participam da missão de Jesus, não a podem exercitar em nome próprio ou pessoal. O discípulo não é maior que o Mestre. Para colocarem Jesus na cruz também o despiram dos sinais da sua dignidade humana: a veste, a capa, provavelmente o calçado. E revestiram-no da sua condição divina: rei ferido com uma coroa... de espinhos. Sem súbditos e sem poder.

Assim, o discípulo que serve tem de assumir que o destinatário da missão é um lugar sagrado. Cada pessoa - homem ou mulher, criança ou adulto - é a epifania de Deus. Cada ser humano tem uma dignidade que o exercício apostólico não pode esquecer ou manipular. A missão do Redentor partilhada pelos discípulos é a garantia da dignidade para quem é evangelizado e preserva no bem e na bondade a eficácia dos gestos humanos, convertidos em sacramentos, jamais em pecado. Na hora de assumir a missão da Igreja, nos mundos que tem o nosso Mundo, importa não esquecer esta lei. Nada mais justo. Nada mais caritativo. Nada mais sagrado.

Padre José Alfredo