CALVÁRIO
A palavra de YHWH foi-me dirigida nestes termos. "Filho do homem, tu habitas no meio de uma casa de rebeldes, que têm olhos para ver, mas não vêem; têm ouvidos para ouvir, mas não ouvem. Com efeito, são uma casa de rebeldes. Pois bem, tu, filho do homem, arruma a tua bagagem de exilado e em pleno dia, sob os seus olhares, parte para o exílio, parte, sob os seus olhares, de um lugar para outro. Talvez desse modo percebam que são uma casa de rebeldes. Arrumarás a tua bagagem como a bagagem de um exilado, em pleno dia, sob os seus olhares, e ao anoitecer sairás, sob os seus olhares como os que saem para o exílio. Ainda, sob os seus olhares, abrirás um buraco no muro e sairás por ele. Sob os seus olhares, porás tua carga sobre os ombros e sairás quando já estiver escuro, cobrindo o rosto para não veres a terra, porque te ponho como sinal para a casa de Israel.
Ezequiel 12, 1-6
Há tempos visitou-nos no Calvário o Padre Eduardo, missionário espanhol em Cabo Delegado. Fui eu e o Padre Telmo buscá-lo à Estação de Campanhã, almoçamos juntos. Tinha vindo a Lisboa, a convite de uma ONG, falar da experiência missionária em tempos de perseguição e violência contra minorias no Norte de Moçambique e deu um pulo ao Norte para visitar o amigo transmontano e malanjino. O Padre Eduardo é padre operário e trabalhou com a Casa do Gaiato, quando era director espiritual no Seminário Maior de Malanje.
Este tempo de caos - guerras, fome, alterações climáticas, corrupção, violência doméstica que atinge as crianças, abusos de poder, tráficos de estupefacientes e pessoas - exige novos profetas. Ezequiel fugiu de Jerusalém, cidade sitiada. Fugiu como sinal para que todos lessem a realidade que estavam a viver e não queriam ver, a ascensão do império Babilónico e o desastre de alianças políticas, que não tivessem em conta a Aliança com Deus! Bonhoeffer resistiu na prisão de Flossenbürg ao império Nazi, que o perseguiu, impediu de ensinar e finalmente o enforcou. Mas não silenciou.
O profetismo implica sempre uma de duas opções: ou exílio ou resistência perante os que decidem sobre a vida dos outros, muitas vezes não respeitando os dinamismos da realidade humana, como a justiça, a dignidade pessoal e a participação efectiva nas decisões.
Em Moçambique os grupos armados aterrorizam as populações que se põem em fuga de terras que habitam desde tempos ancestrais, só porque esta economia, que efectivamente mata, como diz o Papa Francisco, lhes quer tomar conta dos recursos naturais, esquecendo o direito individual e internacional dos povos à autodeterminação e legítima sustentabilidade.
Entre nós as opiniões pública e privada põem em causa o trabalho de tantos que procuram servir as instituições eclesiais e sociais. Há projectos egoístas que não contam com todos para a sua elaboração e execução e as causas dessa atitude são desastrosas: falta de ânimo, imobilidade, desprezo por quem trabalha, tábua rasa da comunhão e do diálogo.
Padre José Alfredo