CALVÁRIO

O tempo de Natal chama-nos a uma mais íntima união com os nossos irmãos. Mais do que em nenhum outro, parece, sentimo-nos mais irmãos, mais filhos do mesmo Pai pelo Baptismo.

Crónicas Escolhidas, Padre Manuel António.

Editorial Casa do Gaiato - Paço de Sousa, 2021. p. 33

No passado dia seis de Dezembro cumpriram-se dois anos do falecimento do Padre Manuel. Quando cheguei ao Calvário em dois mil e vinte partilhei a vida sacerdotal com ele, entre Setembro e o dia da sua morte no Hospital Pai Américo em Penafiel. Recordo o seu amor à eucaristia, à oração individual, ao breviário, à delicadeza do trato com todos e à alegria pelo dom da refeição numa mesa com todos, onde imperava o bom humor.

Há um ano atrás celebrei o primeiro aniversário do seu passamento em Benguela, na presença do Padre Quim e dos Rapazes, da irmã Teresa e das Irmãs Cooperadoras, das Monjas Dominicanas, do Senhor Bispo D. Jaca e muitos padres, além de muitos Gaiatos do passado. Podia perceber-se um misto de tristeza pela dor ainda viva da separação, mas um espírito de serenidade pelo testemunho paterno, de guia espiritual recebido por tantos e que não é possível encerrar numa vida medíocre.

Escrevo na véspera da Imaculada e ontem mesmo fui com o Padre Telmo, a Teresa e o Pacheco fazer uma breve visita ao cemitério de Santiago de Bougado. Lá repousam os restos mortais do Padre Manuel em jazigo que a comunidade paroquial destinou aos sacerdotes conterrâneos ou que serviram a comunidade. Um testemunho de gratidão eloquente e silencioso. Rezamos a hora intermédia e no hino do dia recitávamos:

De novo a nossa terra, sequiosa,

Anseia pelas águas da alegria.

A esperança é força luminosa:

Quem sofre a longa noite atrai o dia.

De novo a nossa terra, prisioneira,

Abriu as portas para a liberdade.

A esperança é força verdadeira:

Quem sofre o mar domina a tempestade.

De novo a nossa terra, adormecida,

Desperta e para a festa se prepara.

Renasce do silêncio a flor da vida:

Quem morre como o trigo faz seara.

De novo está um povo peregrino

Buscando em pleno tempo a eternidade.

De novo a Igreja santa entoa um hino

À glória da Santíssima Trindade.

Na eucaristia que celebrávamos no Espigueiro demos graças pela vida do Padre Manuel. Uma vida entregue generosa e dedicadamente durante mais de seis décadas. Não é possível calar a sua vida.

É necessário que outros dêem continuidade ao que ele abraçou com tanto amor, inspirado pelo encontro com Jesus vivo em cada criança desprezada e pela admiração que nutria por Pai Américo, que o levou na ocasião da sua ordenação a pedir ao Bispo do Porto de então, D. António Ferreira Gomes, para integrar a Obra da Rua.

Quando arrumamos o seu quartinho, que agora ocupo, deparamo-nos com uma condecoração que o estado português lhe atribuiu e recebeu em Benguela a reconhecer as suas acções humanitárias no campo da educação cristã. Nunca fez alarde disso. Aceitou humildemente porque era o reconhecimento do valor da Casa do Gaiato de Benguela e da Obra da Rua em Angola. As suas condecorações eram as crianças que cuidava cada dia, com a ajuda de voluntários e colaboradores, mas também de tantos homens e mulheres que formou para a vida e para o Senhor da Vida, que tratava por MEU JESUS.

Padre José Alfredo