CALVÁRIO
A doença faz parte da nossa experiência humana. Mas pode tornar-se desumana, se for vivida no isolamento e no abandono, se não for acompanhada pelo cuidado e pela compaixão. Quando caminhamos juntos é normal que alguém se possa sentir mal, que tenha de parar por causa do cansaço ou por alguma dificuldade no percurso. É exatamente nesses momentos que se vê como estamos a caminhar: se caminhamos verdadeiramente juntos ou vamos pela mesma estrada, mas cada um por sua conta, dando atenção aos seus próprios interesses e deixando que os outros "se arranjem".
«Trata bem dele» (Lc 10,35) A compaixão como exercício sinodal de cura, Mensagem para o XXXI Dia Mundial do Doente Roma, São João de Latrão, 10 de Janeiro de 2023. FRANCISCO
No passado dia 11 de Fevereiro, memória da Virgem Santa Maria de Lurdes, celebrámos no Calvário a Eucaristia e o Sacramento da Unção dos Doentes. Foi uma celebração simples. Os cânticos a cargo da Irmã Laíde, as leituras a cargo do Luís. Aproximaram-se deste sacramento de cura, como lembra o Catecismo da Igreja Católica (Artigo 5, n.º 1499 e ss.), a Adelaide, a Maria Rocha, a Joaquina e o Manuel Moura. Foi preciso desimpedir os lugares que alguns doentes habitualmente ocupam, para dispormos as cadeiras de rodas em local mais central. "Desalojamos" o Carlitos e o Paulo Sérgio, que se sentam sempre o mais próximo do altar.
A propósito da liturgia da palavra comentávamos que precisamente a derradeira Palavra de Deus veio em forma humana, para que aprendamos uma nova linguagem: a humanização, a proximidade, o toque sensível como gesto fundamental. No Espigueiro a Palavra de Deus está suspensa, não brota do chão. Vem do alto e é acolhida com atitude e altitude. Nem a fragilidade impede este acesso transcendente. Todos a escutam ao nível do ouvido, inclinado à voz do mestre, como ensina Bento de Núrsia. O sinal da escuta é o silêncio que a acolhe. Na partilha procuramos que ela não volte aos lábios sem ter produzido fruto no coração e nas atitudes.
O Papa recorda na sua mensagem para o DMD 2023 a parábola do Bom Samaritano (comentou-a também na Fratelli tutti, Capítulo II, entre os n.ºs 56-86) e o desafio que este deixou ao senhor da estalagem para que tratasse bem daquele homem meio morto que encontrou na margem do caminho. A advertência surge porque ele podia não o cuidar, podia recebê-lo somente como fonte económica. A sinodalidade, conclui, é tratar bem, com delicadeza, com misericórdia, com atenção e intenção:
A missão da Igreja, com efeito, especialmente nas circunstâncias históricas que atravessamos, exprime-se no exercício do cuidado. Todos somos frágeis e vulneráveis; todos temos necessidade daquela atenção compassiva que sabe deter-se e aproximar-se, que sabe cuidar e levantar.
Juntamente com o Padre Telmo, depois de termos rezado as orações rituais, impusemos as mãos sobre a cabeça de cada um e, posteriormente, ele ungiu com o óleo dos enfermos a fronte e as mãos dos nossos doentes.
Celebrar a doença é uma graça.
- Não sabia que seria tão bonito, comentou emocionado Pai Telmo.
Fazê-lo em comunidade é um sinal de evangelização claro e silencioso que todos entendem, mesmo os mais vulneráveis. A celebração justa da vulnerabilidade pode ser um argumento positivo e construtivo a juntar a tantos outros, negativos e radicalizados, sobre o tema da eutanásia, dos cuidados paliativos, da morte digna e acompanhada, da solidão e abandono de tantos, da incapacidade das famílias em cuidar, da exaustão dos cuidadores informais e profissionais, da espiritualidade na doença. O Calvário foi uma resposta da Igreja perante estes desafios e deve sê-lo cada vez mais.
Contámos com a presença de alguns amigos de longa data, as voluntárias Leopoldina e Albertina, e da Conferência Vicentina de Beire, que trouxe também um bolo para o chá dessa tarde.
No refeitório estivemos em convívio e percebemos como é bom os irmãos estarem em paz apesar dos múltiplos trabalhos, das várias iniciativas e da necessária organização.
O Mário fez uma bela fotografia que partilhamos agora com os nossos leitores: as mãos que abençoam e as mãos abençoadas! Trabalho difícil captar a beleza do sacramento, só possível a quem se aproxima.
Padre José Alfredo