CALVÁRIO

Morreu-nos a Maria do Carmo Cardoso. A notícia chegou ao Calvário no último dia de Julho. Tinha 71 anos. Eram oito horas da manhã quando o seu coração parou de bater. Assim nos comunicaram a Dra. Mariana Macedo e a Dra. Cristina, do Lar António Granjo, onde estava acolhida a Carmo, como dizia a Isabel, e a aguardar, por estes dias, o regresso a Beire.

Saiu de cá em 2018, depois de várias décadas a viver com outros doentes e para eles. Saiu juntamente com outras pessoas, para se proceder à reabilitação do edifício. A pandemia impossibilitou, da nossa parte, um acompanhamento mais próximo. Ainda assim amigos e amigas voluntárias de longa data visitaram-na e religaram os laços só aparentemente rompidos. Mas acreditámos que recebeu os cuidados que a sua condição débil exigia. Os mesmos cuidados que sempre recebeu no Calvário.

Inicio a escrita destas linhas junto do seu corpo, que agora repousa na Capela Espigueiro da Casa. Mais logo celebraremos as exéquias. E penso: se o grão de trigo não for lançado à terra, se não morrer… não produz fruto (cf. Jo 12,20-33)! Anunciei a sua morte ao Padre Baptista que garantiu que ela já está a rezar por nós. A Luisinha, por quem tinha afecto como se fosse mãe, recebeu a notícia com serenidade. Ela que por estes dias chorava por causa de uma tendinite no seu bracinho deformado. Foi às urgências e está medicada. Voltou o seu sorriso, às vezes maroto.

Ao Calvário pede-se a capacidade do acolhimento de sempre e também a urgência de diálogo com todas as instituições com quem nos relacionamos. Um diálogo que tenha o doente no centro das nossas preocupações e que esse centro nos leve à centralidade de Jesus nas nossas vidas e no mundo. Como escrevia Thomas Merton em 1955, nenhum homem é uma ilha. Muito menos os que têm debilidades físicas e psíquicas. Eles são uma porta de acesso à vida que é tão variada nas suas realizações. Os doentes não são nossa propriedade, são nossos irmãos. Pertencem, como nós, ao Senhor da Criação. Pertencem unicamente a quem vamos entregar o seu corpo crucificado pela fragilidade, mas que no Calvário souberam tratar e amar como Maria amou o corpo do filho de Deus, na saúde e na morte. Os doentes são uma lâmpada acesa que não se pode esconder, como ouvíamos Jesus no Evangelho que proclamamos pela tarde(Lc 8, 16-18). São quem nos ajuda a ver a realidade, não com os nossos óculos e preconceitos, mas a realidade como deve ser amada! Os doentes não se podem ocultar! Eles iluminam quem somos, dizem-nos quem devemos ser, instam-nos a não cair na mediocridade.

A D. Belém e a D. Leopoldina, que a vieram velar, garantem que ela era o cérebro da casa. Um pensamento e uma vontade grandes num corpo débil, mas que orientava outros. Que a sua existência, fruto da graça abundante, continue a orientar os nossos projectos e intenções para o presente e para o futuro. A vida da Carmo foi sorriso, carinho, apaziguamento... Foi bela e perfumada flor no jardim do Calvário, como alguém me comentava!

A Carmo já não vai usar a casa renovada. Vai repousar no campo santo do Calvário. Que lá descanse em paz. Terminada a celebração fomos acompanhá-la na sua última peregrinação na terra.

Padre José Alfredo