CALVÁRIO

Luisinha fala-nos do teu mundo... — alguém pedia!

Entre os dias 22 a 26 de Agosto fomos à praia. As doentes, os rapazes, os voluntários e amigos e as cuidadoras. Azurara estava cheia de gente na praia e nas ruas. Muitos carros! Também muitos peregrinos a caminho de Santiago, a bordejar caminhos calcados e secos. A Melita e a Ana vieram da Guarda e passaram a semana connosco. A Isabel chegou da Avelada. A Teresa e o Mário juntamente com a D. Rosa e a D. Augusta, mais o Adão, garantiram os cuidados individuais a cada doente. Ainda nos cruzamos com os rapazes de Paço de Sousa que estavam a deixar a casa aos novos veraneantes. Também chegaram ao mesmo tempo que nós o Eusébio, a Felismina e a filha. A Paróquia de Valongo emprestou-nos o seu transporte de 9 lugares, muito útil para estas deslocações. Estamos agradecidos.

É uma epopeia fazer deslocar este povo. A roupa de cada um devidamente colocada numa mochila, a mercearia para uns dias à beira-mar, a medicação preparada pelo Enfermeiro Miguel. Um ou outro objecto mais pessoal também não pode faltar: um chapéu, uns óculos, uns chinelos. Tudo à medida de cada um. E não pode ser de outro jeito, como diz o Pacheco. Ele ficou no Calvário, juntamente com a Maria, outras cuidadoras e a Dra. Patrícia, a apoiar o Padre Telmo e o Padre João - gosta de falar da sua nova experiência de vida no Calvário - e os restantes doentes impossibilitados de sair. Os longos anos e as dificuldades de locomoção impediram a viagem até àquela casa de verão.

O caminho entre a casa e o areal fazia-se por um passadiço. Muito são os olhares que nos voltam e as mãos que se disponibilizam para fazer rolar as cadeiras nas tábuas e na areia. Se a viagem não servisse para recreio dos doentes e por motivos de saúde serviria para despertar o melhor de cada ser humano, com quem nos cruzámos, face a situações de limitação física e intelectual.

As refeições foram confeccionadas em casa e tomadas em clima de festa e de fraternidade. A meio da tarde voltávamos ao areal para tomar um gelado e um pouco mais de sol. Ainda nos cruzamos com amigos de outras paragens, que espantados correm a deixar o seu cumprimento e desejo de que tudo esteja bem com os doentes.

As expressões de cada um deixam entender muitas experiências inenarráveis, mas que nos trouxeram até aqui, até este momento existencial em que nos encontramos. Não podemos dizer tudo e não podemos captar tudo, mas tudo fica gravado no coração do Pai daqueles que não conheceram pai e mãe, irmãos ou irmãs.

O mar salgado que nos banhou tem as lágrimas de Portugal, como canta Pessoa na Mensagem, mas é esta mesma água que une Azurara a Mira, Mira a Arrábida, Arrábida a Benguela e por aí adiante, até onde haja um doente e rapaz a precisar de ser acolhido!

O mês de Setembro, em que já estamos, trará a oportunidade de mudarmos de casa e de adaptarmos ritmos para os doentes nas novas instalações.

A nossa Isabel no final da jornada ainda rematou: — Para o ano há mais. — É bem verdade!

Nessa semana ainda nos receberam calorosamente, em Paço de Sousa, e não foi pela subida da temperatura, o Quim e a Lala. Oportunidade para as doentes ouvirem música portuguesa e se banquetearem com as iguarias da dona da casa. Também a eles agradecemos imenso o convite.

Os dias são rápidos e efémeros. A caridade não, não é passageira. Veio para ficar connosco para que nos tornássemos melhores.

Padre José Alfredo