CALVÁRIO

Graças ao Pai por nos ter enviado o Padre Telmo.

Refrão de acção de graças cantado em Xoque na missa do último Domingo de Janeiro, dia mundial da luta contra a lepra, com algumas das comunidades ao redor da Casa do Gaiato que frequentam a Capela.

No contexto do acompanhamento humano e espiritual que fazemos no Calvário viemos com o Padre Telmo a Malanje visitar o Padre Rafael e a Casa do Gaiato, por ocasião do jubileu sacerdotal do primeiro e do 60.º aniversário da segunda.

Saímos de Portugal, no domingo dia 23, desde o Aeroporto Sá Carneiro e viajámos para Luanda, para o Aeroporto 4 de Fevereiro. Na cidade fomos acolhidos em casa do Malamba, junto com a família: a esposa Helena e os quatro filhos. Na capital aproveitámos para visitar antigos Gaiatos: o Zé da Fisga e família no Estaleiro em Viana, o Álvaro Candeias, no Instituto Camões, e o Dantas, também com a sua esposa e sogra.

São muitas as memórias que assaltam o coração do Padre Telmo e facilmente fica comovido e feliz com a vida organizada que a maioria dos rapazes conseguiu estabelecer. Seja nos negócios pessoais, seja no trabalho para empresas multinacionais, seja para organismos do estado Angolano ou Português em Angola. A mesma comoção para com aqueles cujo destino continua incerto e difícil. Mas sempre a mesma palavra de ânimo e esperança.

Depois fizemos viagem de Luanda para o Dondo e a barragem de Cambambe. Conduziu-nos o Davide e outros companheiros, que também foram criados na Casa de Malanje e no Lar de Luanda. Visitámos a barragem no rio Kuanza, a capela e o bairro dos operários. Depois partimos para diante, com paragem, obrigatória, na Comuna de Dange-Ya-Menha, para contemplar a montanha em que outrora o Padre Telmo plantou a sua Aldeia dos Leprosos, cujas memórias foram recentemente publicadas e apresentadas na Igreja dos Clérigos com a presença de Santos Ponciano da APARF que disse na ocasião: apoiarem muitos Institutos Religiosos que ligados à saúde e que fazem este trabalho. São ainda apoiadas pela APARF as Dioceses, os Institutos e as Organizações que têm a seu cargo comunidades de doentes de lepra, leprosarias, Aldeias de Leprosos, que acolhem famílias inteiras, os alimentam, os tratam e reintegram na sociedade. Todos os anos são identificados no mundo mais ou menos 200 mil novos casos de lepra, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde. Muitos mais ficarão por identificar, e por tratar, dadas as dificuldades que mencionei, e presume-se que haverá no mundo cerca de 12 milhões de doentes de lepra. Os dados da Organização Mundial de Saúde referentes a 2022 indicam-nos que o país do mundo com maior incidência é a Índia com cerca de 60%, seguindo-se o Brasil com 11,5% e a Indonésia com 7,2%. Registaram-se a nível mundial um total de 174.087 novos casos, e Angola, tão querida ao Senhor Padre Temo, comunicou 860 casos novos.

Coincidência, ou não, cruzámo-nos na estrada com o Hermenegildo, filho da Madalena Tomás Simão, ao tempo, leprosa que Padre Telmo acolheu. Seguindo pelo morro de Binda seguimos viagem para N'Dalatando e dai para Cacuso e Malanje.

À chegada a Casa esperava-nos o sino que em toque festivo reuniu toda a aldeia para testemunhar o abraço entre o Padre Telmo e o Padre Rafael. Seguiram-se muitos cumprimentos, muita alegria e a distribuição de rebuçados por todos. Um momento captado pelo vídeo da Rebeca, que juntamente com o marido David e os filhos David e Leo, fazem um ano de voluntariado na Casa. São de Sevilha!

Quarta-feira fomos à cidade. Acolheram-nos a empresa de madeiras ABWIK — propriedade do Senhor Carlos Cunha (amigo da Casa); as irmãs Clarissas; a padaria das Irmãs de São José Operário, onde reencontramos a Irmã Vitar. Fomos tomar um café juntamente com o Padre Inácio e os Padres Adão e Kaueto, que haviam estado reunidos com os jovens sacerdotes diocesanos num esforço de acompanhamento sacerdotal tão necessário.

Regressámos e preparámo-nos para a celebração da eucarística de acção de graças pelo ministério do Padre Rafael. O Padre Telmo fez a homilia e relatou como cativou o jovem sacerdote de Saragoça para entrar na Obra. De visita a Casa o Padre Rafael havia perguntado: — O que o Senhor precisa cá para Casa? Padre Telmo fez silêncio e respondeu assertivamente: — O que nós precisamos é de um padre! A semente foi lançada e produziu frutos rapidamente. Regressado a Espanha o Padre Rafael procurou um missionário disponível para o Gaiato e não tendo encontrado perguntou-se se o chamamento não seria mesmo para ele? Conversando com os seus superiores e feito o discernimento pelas Casas do Gaiato de Portugal decidiu-se e foi enviado a Malanje. — E aqui está, graças a Deus! Concluiu, sorridente e confiante, o Padre Telmo.

O Padre Rafael tomou a palavra no final da celebração para dizer que apesar dos anos passarem se sente feliz e realizado na Casa: — Vim como padre, mas fiz-me pai no Gaiato. Tem sido uma fonte de bênçãos.

Fizeram-se presentes muitos Gaiatos que já estão fora de Casa, nos seus trabalhos e nas suas famílias; bem como as Irmãs Mercedárias de Barcelona da singular comunidade que apoia a vida da Casa: irmãs Célia e Marlene; formandas Luzia, Leni e Ana.

Na quinta e sexta-feira foram dias de visita às Quedas de Calandula e às Pedras Negras. A visita vela a pena pela contemplação da natureza e pela mínima intervenção humana nesta paisagem protegida. Claro que ainda há muito a fazer para manter estes lugares e preservar a sua estrutura. Foram dias de convívio sacerdotal e fraternidade ministerial, que a oração também consolidou. Além de muitos outros contactos com amigos, Gaiatos e colaboradores, como o empreiteiro João da Crode.

Sábado de manhã o Pai Telmo e o Padre Rafael foram recebidos pelo Arcebispo de Malanje, Dom Luzizila Kiala, natural do Uíge e que serviu previamente a Diocese do Sumbe. Ele que quis ouvir falar da Obra, dos alunos Adão Vicente e Paulo Domingos, a estudarem nos seminários do Porto e de Setúbal. Deu conta das opções pastorais para a Arquidiocese: formação sacerdotal, nomeações para atender pastoralmente os municípios e missões, restruturação do processo vocacional (seminário propedêutico, seminário de filosofia e seminário para estudos teológicos, a serem instaladas respectivamente nas três dioceses da província N'Dalatando, Uíge e Malanje. A estrutura eclesiástica abrange cerca de três milhões de habitantes, 50 paróquias e 50% da população está baptizada.

Segunda-feira fez visita à Casa o senhor Governador de Malanje, Marcos Alexandre Nhunga, licenciado em Agronomia (Uzbequistão), com especialização em Extensão Rural (Holanda) e em Gestão de Cultura de Algodão (Egipto). Depois deste encontro o Padre Rafael levou-nos a visitar os novos equipamentos da escola, onde se passaram a realizar cursos técnicos de electricidade, agronomia, informática e construção civil. Visitámos também as obras de reabilitação num dos edifícios que servirão a nova biblioteca, as salas de estudo e pequeno bar, mesmo junto da estrada de entrada, também a ser reabilitada por gente da Casa.

Na terça-feira Padre Rafael partiu para Luanda para acolher os colegas de curso que o visitarão nesta ocasião jubilar e eu e Padre Telmo teremos de regressar ao Calvário. O Padre Quim gostaria que Pai Telmo o visitasse em Benguela. Na ocasião que escrevo estas linhas ainda não tínhamos decidido se tal seria possível. Seria importante para ele, e para os muitos rapazes que acompanha, contactar com um dos fundadores deste projecto da Obra da Rua em Angola que leva já seis décadas de desenvolvimento, muitas realizações, muitos obstáculos vencidos, mas sobretudo muita ilusión, como sempre comenta o Padre Rafael. Nestes dias lembrou, com frequência, o bispo que o ordenou, D. Elias, e a sugestão que fazia aos seus filhos sacerdotes de que pudessem viver um ano do ministério ao serviço da missão ad gentes. Lembrou também o testemunho dos Padres Villeros, na Argentina e dos seus projectos sociais, as Villas de Emergencia, para o trabalho pastoral com os pobres. O Padre Rafael sempre foi sensível a esta temática, desde que em Saragoça frequentou as equipas dos Educadores de Rua, para o trabalho com crianças abandonadas. O Padre Rafael tem colocado como ponto de reflexão entre os padres da Obra da Rua a necessidade de criar uma associação de clérigos, colada às NORMAS DE VIDA, que Pai Américo legou, em ordem à missão específica do trabalho com rapazes, para rapazes e pelos rapazes. Associação que pudesse acolher leigos, algum casal, obreiros, continuadores, voluntários, assistentes, estagiários, padres diocesanos que trabalhem com pobres. Gente a quem pudéssemos propor uma releitura dos textos fundadores da Obra e a partir deles propor uma formação específica, elaborar uma proposta a apresentar aos bispos das Conferências Episcopais de Portugal, Angola e São Tomé e outras, como ele já fez na Argentina. Para o Padre Rafael é importante obedecer no fundamental, mas não perder o sentido crítico e o livre pensamento quanto ao que deve evoluir. Ele diz: — Um pai quer aos seus filhos. Mas o filho pode pensar diferente do pai e continuar a ser filho. Se for necessário, prever uma casa de acolhimento e discernimento para estas temáticas.

Obrigado, Padre Rafael, pelo acolhimento. Obrigado à Direcção da Obra por ter consentido com esta breve missão. Obrigado ao Calvário, sobretudo em quem ficou, por ter sustentado esta viagem!!!

Padre José Alfredo