CALVÁRIO

Ainda que eu distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres; ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!

1 Coríntios 13,3

O carisma do Calvário é o exercício da Caridade. Esta virtude tão cristã, tão teologal, ou seja, que nos fala de Deus. Acreditas nisto amigo leitor? O cuidado aos doentes de acordo com as exigências da nossa sociedade ocidental, articulando profissionais de cuidados pessoais, médicos, de enfermagem e voluntários, é um enorme desafio para nós, enquanto instituição eclesial e fraterna, quer para o Estado Social que nos seus institutos procura fazer cumprir os direitos constitucionais e humanitários, que a história humana e história da salvação nos têm consagrado. Nomeadamente o direito à vida com dignidade em todas as idades; o direito ao acompanhamento humano que combata a marginalização e o isolamento; o direito à protecção universal perante fragilidades ontológicas ou acidentais. E tantos outros direitos que tem sido retorcidos numa ilusão de evolução, que não raras vezes é retrocesso e liquidifica os nossos valores. Nós sabemos que vivemos numa determinada cultura e geografia humanas. Não recusamos isso, mas queremos contribuir com uma forma de assistência em saúde que seja inclusiva, testemunhal e desafiante. Que centre as preocupações dos cuidadores no doente, enquanto manifestação do Ser, origem e garantia de todos os seres.

O tempo de Verão tem sido oportunidade para muitas visitas cá a Casa. Recebemos visitas particulares para os doentes, visitas à celebração eucarística, visitas de Gaiatos e de grandes amigos da obra, que chegam de coração e mãos cheias. E afirmam que vêm para receber. Impressionante.

Nomeio duas paradigmáticas. Dois grupos de adolescentes, que em campo de férias em Paço de Sousa, quiseram vir e estar com os doentes e fazerem a experiência de cuidado com a natureza. Deixamo-los interagir com os doentes em alguma actividade terapêutica, especialmente a recolha de carvalhos para serem replantados. Espantados quiserem levar uma dessas árvores para casa. Partilharam a mesa e a alegria da simplicidade. Uma das participantes enviou-nos depois um seixo pintado, como uma palavra de gratidão. Nós agradecemos estes gestos pobres que nos enriquecem.

Também temos connosco a passar uns dias um doente que habitualmente está institucionalizado, mas que nas férias fica sem "rede". Como conhece o Calvário a família pediu-nos esse acolhimento. É uma graça ver outros doentes acolher quem chega. Prestar alguma ajuda, devidamente monitorizada. É uma gratidão para todos.

A Caridade reclama a verdade e a tomada de decisões para o bem maior dos doentes que acolhemos. É verdade que a Caridade, actualmente, não paga todas as contas. Mas a Caridade deve ajudar a orientar colaborares, ajudar a equilibrar entre vida pobre e justa. A Caridade, como não passa, ajuda a cuidar do corpo frágil que somos. Quer nas estruturas antigas quer nas novas. Quer nos doentes quer nos mais saudáveis. É preciso grande inspiração e fidelidade ao Evangelho para que continuemos este processo de ressurreição deste Calvário e de tantos outros calvários silenciosos pela nossa terra. Alguns já temos sido convidados a visitar. E fomos. Agora há que ser consequentes. Deus nos ajude à coerência e não nos falte com a sua providência. Já que eu falho tantas vezes na confiança n'Ele.

Padre José Alfredo