CALVÁRIO

A vida comunitária, com toda a sua complexidade, implica uma atitude interior; sem isto estanca-se rapidamente, uns e outros buscarão motivos para não crescer.

L'Arche, Comunidade: Lugar de Perdão e Festa.1980

O tempo de advento é um espaço de acolhimento. Seja no quotidiano, seja na liturgia preparamo-nos para receber alguém. A esperança é a virtude da sentinela que aguarda atenta a vinda e a vida de alguém. São dimensões muito queridas e próprias do Calvário, desde a sua génese até ao presente. Custodiamos a vida dos doentes, atendemos um familiar ou amigo que os visita, recebemos roupa ou bens alimentares que nos fazem chegar. É um infinito rol de tarefas e missões permanentes que nos mantêm alerta. Nos dias próximos ao Natal este movimento cresce ainda mais e torna-se verdadeiramente encarnado. Percebemos, com todo o realismo, que Jesus veio ao mundo por nossa causa, para não nos atemorizarmos, para não nos ensoberbecermos. Nasceu em carne humana para nos enriquecer com o seu amor divino.

Na vida de uma instituição há lugar para valores comunitários e lugar para valores legais. O desenvolvimento do Calvário passará por esse justo equilíbrio de forças. O diálogo frutuoso com o Evangelho e com o Estado será o verdadeiro presente que esperamos que o menino Jesus coloque no nosso sapatinho. Um sapatinho simultaneamente grande e justo onde caiba o pé de todos. A Obra da Rua nos seus padres, colaboradores e amigos saberá estar à altura deste desafio de encarnação no mundo contemporâneo das intuições do bem-aventurado Pai Américo. As distintas Casas, quer em Portugal, quer em Angola, têm feito esse esforço de adaptação às exigências do tempo presente. A organização político-social e o desenvolvimento psicológico muito têm contribuído para o desenvolvimento da nossa missão de acolher crianças e jovens em risco, assim como o tratamento de doentes sem família que os cuide. Aos técnicos que acompanham a nossa missão eclesial (Assistentes Sociais, Médicos, Psicólogos, Psiquiatras, Advogados, Contabilistas, Enfermeiros, Arquitectos, Engenheiros) devemos um esforço de transmitir a espiritualidade da Obra e o seu carisma, para que o seu trabalho vá ganhando uma forma particular de serviço aos mais desprotegidos, aos que vivem à margem. É uma tarefa de todos este equilíbrio saudável e promissor de à força evangélica associarmos a força das ciências humanas e técnicas para a edificação de um corpo vivo e espelho do amor de Deus para estes tempos tão conturbados de guerra, de pobreza, de fome e de injustiças sociais.

A Obra da Rua através da vida das suas Casas do Gaiato contribuirá, assim, para a evangelização de vastos sectores da sociedade, que de outra forma não se encontrariam com o pensamento e a acção do seu fundador. Sabemos que muitos lêem os textos do Pai Américo, que o imitam na sua acção a favor dos mais pobres. Queremos que isso seja a lâmpada acesa sobre a prateleira que ilumine muitos mais e não uma luz oculta por preconceitos que só nos poderão marginalizar no quadro de uma sociedade plural e laica.

Padre José Alfredo