CALVÁRIO 

O actual Calvário procura continuar e cumprir a sua missão de décadas em ordem a acolher doentes, gente sem retaguarda familiar competente para os cuidar. Temos visitado algumas situações sociais que nos apresentam e temos acolhido muitos pedidos para receber cá pessoas em situação de vulnerabilidade: doença psíquica, demência, vítimas de AVC, filhos que não podem cuidar dos progenitores, pobres com baixas pensões que não encontram lugar numa residência para idosos, assistentes sociais hospitalares que não sabem onde colocar casos que não carecem de internamento, gente abastada que sabe que aqui cuidamos com humanidade, enfim, uma lista de situações limite para as quais não temos resposta imediata. Procuramos dar a nossa atenção a todos e a cada um em concreto, sabendo que não poderemos valer a cada caso. Mas este acolhimento geral permite-nos fazer uma radiografia particular da sociedade onde nos inserimos e que queremos servir. Dá-nos coordenadas para redefinir conceitos como fragilidade e pobreza, que há vinte anos não se imaginavam ser expectáveis. O início do novo milénio criou a ilusão que estas temáticas ficariam enterradas na poeira do passado. Puro engano. O envelhecimento da população europeia e um certo sentido de bem-estar social egoísta põem a nu esta ilusão. Assim o diz Isabel Sánchez, na sua obra A cultura do cuidado - à procura do equilíbrio entre a autonomia e a vulnerabilidade (Lucerna). A solidão é uma fragilidade! O dinheiro que não compra tudo é uma pobreza! Por isso cremos que o Calvário, na sua forma contemporânea, seja uma imagem bem realista da sociedade actual: em ebulição, esquizofrénica, com perda de valores antropológicos onde o cuidar era uma graça, gente e casos de enfermidade tão distintos a exigir o melhor de nós mesmos. Cuidar dos que nos cuidaram apresenta-se como um fardo demasiado pesado, que é preciso atirar para os ombros de outros. Muitas vezes a situação é tão desesperada que valem todos os argumentos: vós tendes obrigação de cuidar do caso que trazemos! É verdade que sim, tão altas são as expectativas que recaem sobre nós.

Os pedidos merecem a nossa atenção espiritual e técnica, pois muitas vezes é indispensável um olhar médico sobre a pessoa, para concluir se temos condições para a cuidar e atender bem. Doentes há, que nos foram apresentados, que dependem totalmente de terceiros para a sua vida quotidiana.

Cada caso de acolhimento é uma alegria e satisfação para todos. Cada situação a que temos de dizer não é uma tristeza e desilusão. Mas para crescer bem há que crescer devagar, com ponderação e com critério. É o que temos procurado fazer, sabendo que não agradamos a todos. Queremos cuidar bem de quem está e deitar a mão a quem nos bata à porta. Neste entretanto temos procurado, intuitivamente, encontrar novas soluções de acolhimento, procurando ser fiéis ao espírito do Calvário. Não sem provações, dificuldades, questionamentos, barreiras, preconceitos. Afinal este Calvário e todos os calvários do mundo são um questionamento à ordem estabelecida pelos senhores do poder, do dinheiro e da força. Assim Deus nos faça pobres para nos enriquecer de pessoas que possamos receber.

Padre José Alfredo