CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA
FALECEU O SERAFIM "PALHAÇO"
Depois dessa passagem pela Casa do Gaiato, o Serafim ficou por cá, sobrevivendo a "trabalhar aos dias". A pessoa que durante muito tempo escreveu estas crónicas fez, para ele, o que fez para muitos cá da terra, antes e depois do 25 de Abril, ou seja, tratou-lhe de toda a burocracia necessária para poder usufruir dos seus direitos sociais, incluindo a pensão de reforma, quando chegasse à idade de poder usufruir dela, como veio a acontecer.
Com esse rendimento e mais o uso gratuito de uma casa do Património dos Pobres, o Serafim não tinha necessidades materiais. As necessidades principais que tinha eram outras, a saber, uma relação menos desregulada com a bebida e com o tabaco, melhores cuidados de higiene pessoal e de limpeza da sua habitação e menos teimosia em assuntos que só o prejudicavam.
A maior parte das vezes essa teimosia não pôde ser vencida, nem nós, nem por outras pessoas que o ajudavam, nomeadamente os seus vizinhos a quem aqui agradecemos por terem sido Vicentinos com letra grande, mesmo que o não sejam formalmente.
Talvez essa teimosia fosse o seu modo próprio de afirmar a sua autonomia. Seja isto, ou não seja, ela esteve sempre presente até à parte final da sua vida. Com efeito, quando lá por Junho, ou Julho, ele começou a dar mostras de dificuldades na respiração e a voz começou a ficar-lhe cada vez mais rouca, nós e esses seus outros amigos várias vezes insistimos com ele para o levarmos ao médico. Resistiu sempre dizendo que, em 78 anos de vida, só tinha ido ao hospital uma vez para fazer um curativo numa perna e que saiu de lá antes que o médico lhe tivesse dado ordem para ir embora, apanhando um táxi que pagou com dinheiro que tinha levado já a pensar nisso.
Só foi possível começar a convencê-lo de que tínhamos mesmo que o levar ao hospital quando ele começou a ver que, quando tossia, às vezes saía algum sangue. Quando isso começou a acontecer, conseguimos combinar com ele um dia para irmos ao hospital, pedindo-lhe para, na manhã desse dia, vestir uma roupa limpa.
Nessa manhã lá fomos até sua casa. Ele lá estava pronto e asseado, mas não quis ir logo para o hospital. Percebemos, depois, que, antes de ir, queria o almoço com comida passada que caísse bem pela sua garganta abaixo que vizinhos amigos lhe preparavam e lhe traziam todos os dias, nessas semanas em que ele tinha dificuldades em ingerir outro género de comida. Por isso, voltamos lá depois de almoço com uma ambulância dos nossos Bombeiros Voluntários que veio, não só com o seu motorista, mas também com um enfermeiro que cuidou devidamente daquilo que podia cuidar nessas circunstâncias.
Reparamos que, antes de sair, o Serafim abriu um frigorífico que tinha na cozinha e que já não funcionava nessa função, mas sim na função de armário. O frigorífico que funcionava era um novo que ele tinha pedido a um vizinho amigo para lhe comprar há relativamente pouco tempo. O que ele foi buscar a esse frigorífico antigo foi um porta moedas, muito provavelmente tendo em vista fazer o mesmo que tinha feito quando uma vez foi fazer um curativo ao hospital.
Passou o resto desse dia no hospital em exames que duraram até cerca de meia noite. Fez análises ao sangue e à urina. Fez, também, um TAC aos pulmões. Nada disto mostrou sinais de doença preocupantes. Foi só um segundo TAC feito já depois das onze horas da noite à zona da garganta que mostrou sinais de uma lesão ainda muito localizada que, só com esse exame, não dava para classificar, com certeza absoluta, se era cancerígena, ou não.
Nessas horas todas que passou na urgência do hospital, não pudemos sair de perto dele porque estava sempre a querer levantar-se da cadeira e a querer ir embora, protestando contra as esperas por mais um exame e pedindo-nos insistentemente para chamarmos um táxi.
Voltamos com ele ao hospital, no dia seguinte, para uma consulta de otorrinolaringologia. Depois dessa consulta, ficou marcada outra com uma anestesista para, a seguir, lhe poder ser feita uma biópsia.
Na véspera da consulta com a anestesista, o Serafim faleceu. Esses seus vizinhos que lhe levavam a comida todos os dias, ao não verem sinais de movimento dele pela manhã, bateram-lhe à porta. Dessa vez a porta estava fechada. Por isso, tiveram que recorrer a outros meios para entrar na casa. Encontraram-no já falecido, deitado na cama, com a cabeça bem encostada ao travesseiro e só com uma perna fora dos cobertores, mas sem aspecto de ter passado por grande agitação. Também foi assim que o encontramos, logo depois desses seus vizinhos nos terem dado o alerta.
Que os seus últimos momentos não tenham sido de grande sofrimento e que a sua alma repouse na paz de Deus!
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Américo Mendes