CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA

O olhar da D. Fernanda

Há dias, numa rua de uma cidade deste país, uma senhora estava aninhada no chão, em silêncio, em jeito de pedir esmola. O olhar dessa senhora fez-me parar. Perguntei-lhe como se chamava. Disse-me que se chamava Fernanda. Também me disse logo a idade: 76 anos. Perguntou-me se tinha cara de quem tem essa idade, ou de quem é mais velho do que isso. Eu disse-lhe que tinha cara de quem é mais velho.

Perguntei-lhe, depois, onde morava e se tinha por perto alguém de família, ou outras pessoas a ajudá-la. Disse-me a zona da cidade onde mora que não é propriamente zona de pessoas ricas. Quanto a família que tenha por perto, disse-me que tem um filho de 46 anos a morar com ela que é a razão dela estar a pedir esmola. Adoeceu há 17 anos, tendo ficado numa situação de dependência.

Quanto a quem a esteja a ajudá-la, falou-me repetidas vezes de pessoas que me disse que a roubaram, mesmo algumas que diziam que a iam ajudar. Não perguntei mais sobre isto, mas era muito claro que alguém roubou alguma coisa de precioso para esta senhora. Pode ter sido dinheiro, ou outro bem material, ou pode ter sido outro tipo de roubo que lhe deixou uma ferida muito grande e incurável, bem como alguma desconfiança no trato com quem vá ao seu encontro.

No entanto, não me falou só desse tipo de pessoas. Também me falou de um senhor que costumava parar para falar com ela. Uma vez deixou de o ver durante muito tempo e, por isso, não descansou enquanto não lhe conseguiu ligar, só para saber se estava bem. Também me falou doutro senhor que uma vez também parou para falar com ela. Desse, disse-me, com tristeza, que já não se conseguia lembrar da cara dele, mas queria lembrar-se. Por estes dois casos que relatou, deu para perceber não deve ser só dinheiro que está a faltar a esta senhora

No final da conversa disse-me: "Custa muito estar aqui. As pessoas não sabem quanto custa estar aqui."

Disse-me isto com um olhar que achei que era de quem não estava a mentir. Os olhos são a janela da alma. Por isso, muito dificilmente mentem sobre o que vai lá por dentro e o olhar da D. Fernanda era o de um sorriso amigo que não conseguia disfarçar muito sofrimento.

Pode ser que tudo, ou parte do que esta senhora me disse seja mentira. Neste tipo de casos, vale sempre a máxima do Pai Américo que dizia que não queria era ser enganado, mas, no caso da D. Fernanda acho que não. O olhar dela não mentia.

Como o olhar da D. Fernanda, infelizmente há os de muitas mais pessoas por esse mundo fora a mirarem-nos em silêncio, com esse sorriso que não disfarça a solidão e o sofrimento pela doença, ou pelo mal que outros lhes causaram. Apesar de tudo, a D. Fernanda ainda tem algumas forças para sair de casa e vir para a rua procurar arranjar o que lhe falta para ela e o seu filho poderem viver, mas também há os outros que sofrem dentro de suas casas sem serem vistos e sem delas poderem sair.

Não deveria haver pessoas que, chegadas a uma idade em que precisam de ser cuidadas pelos seus familiares, têm é que cuidar deles, mas já sem forças para isso, ou então não podem contar com eles, estando entregues a si próprias e ao sofrimento por feridas no corpo e na alma que já não tem cura.

Os olhares dessas pessoas interpelam-nos todos os dias e deveriam fazer-nos parar na nossa indiferença.

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Américo Mendes