CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA
"EDIFICAR A CASA SOBRE A ROCHA" (Mt 7, 24-27) – Neste final de ano e com um novo que aí vem, é tempo de fazer balanços sobre o que nos aconteceu a nós e ao mundo no ano que está a acabar e fazer votos para que venham aí tempos melhores para todos.
Por cá e lá fora a nossa vida colectiva tem muitas incertezas com consequências negativas nas vidas pessoais de muita gente. Veja-se, por exemplo, uma consequência dessas que é o aumento das taxas de juro e os efeitos que isso está a ter no acesso à habitação e nos custos de a manter para quem a tem, mas que se endividou para isso. Casos assim acabam por vir parar à nossa e a outras Conferências Vicentinas.
Em tempos de incerteza não faltam os falsos messias a anunciar falsas esperanças. A tentação é grande para muitos se deixarem levar por palavras e caminhos que só poderão resultar em mais desgraça para eles e para os outros.
Por isso, especialmente em tempos como este, é muito importante não nos esquecermos destas palavras que Jesus disse: "Todo aquele que escuta estas minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edifica a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa, mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. Porém, todo aquele que escuta estas minhas palavras e não as põe em prática poderá comparar-se ao insensato que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se, e grande foi a sua ruína." (Mt 7, 24-27).
Face às incertezas e desgraças que vão por esse mundo fora, há a tentação cómoda de acharmos que nada podemos fazer, esquecendo-nos de escutar as palavras de Jesus e de as pôr em prática, o que se resume numa coisa só: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Fazer isto não tem que ser fazer nada de grandioso. Pode ser, e é quase sempre, praticar pequenas acções ao nosso alcance, em cadeias de solidariedade onde nos juntamos a pessoas de boa vontade que procuram fazer o mesmo. Ligando-nos assim uns aos outros podemos mudar para melhor a vida doutras pessoas, mesmo que o nosso contributo possa parecer muito pequeno.
Como esta crónica já vai longa, fica aqui só mais a actualização de um caso já relatado numa crónica anterior que é bem o exemplo do que atrás se disse. Esse caso é o de um imigrante argelino que estava a viver numa freguesia perto da nossa em condições indignas. O caso chegou ao nosso conhecimento e tentamos acudir logo que soubemos dele. Disseram-nos que essa pessoa estava a ser explorada pelo patrão, estava a passar fome e estava em vias de ser despejada da habitação onde morava. Depois de sabermos disto as nossas vicentinas encheram o carro com bens alimentares e fomos rapidamente ao encontro desse imigrante. Quando chegamos ao sítio onde nos disseram que ele morava não o encontramos. Como tínhamos o seu número de telemóvel entramos em contacto com ele. Disse-nos que tinha deixado essa casa há um quarto de hora atrás e que já estava a caminho do Porto. Disse-nos, depois, que nessa noite e durante alguns dias dormiu numa casa abandonada por baixo da ponte de D. Luís.
Encaminhamo-lo para uma pessoa amiga que trabalha numa instituição que dá apoio às pessoas sem abrigo. Aí ele pôde ter, pelo menos, alimentação, banho e lavagem de roupa. Mais tarde também conseguiu aí acesso a alojamento temporário. Há dias essa pessoa amiga enviou-nos mensagem a dizer que esse imigrante tinha conseguido trabalho digno, com contrato e que já acumulou alguma poupança. Agora esse nosso amigo está a ajudá-lo a encontrar habitação digna que esteja ao seu alcance.
O que fizemos por este imigrante foi pouquíssimo. Até nos desencontramos dele, trazendo de volta os bens alimentares que não lhe conseguimos entregar. Apesar disso, fomos um pequeníssimo elo na cadeia de solidariedade que veio das pessoas que nos alertaram para a situação e que, depois, continuou com o nosso amigo que tem cuidado dele na instituição do Porto que dá apoio às pessoas sem abrigo. Graças a esta cadeia de solidariedade, esse imigrante está a caminho de ser uma pessoa cada vez mais autónoma, contribui com o seu trabalho para o bem dele, da sua família e de nós todos, em vez de ter caído em caminhos de desgraça e de morte.
Com muita gratidão para os nossos leitores que são excelentes exemplos de elos de cadeias de solidariedade como esta, os nossos votos de um Santo Natal!
Américo Mendes