CONFERÊNCIA DE PAÇO DE SOUSA
O que fazer quando alguém que nos é próximo "morre", mas continua vivo?
O que fazer quando alguém é atropelado ou tem um ataque e fica sem poder andar para o resto da vida? O que fazer quando alguém fica sem emprego, tem dificuldades em encontrar outro e entra num estado de depressão por causa disso? O que fazer quando alguém vai perdendo as suas capacidades cognitivas, ficando cada vez mais incapaz de poder cuidar de si próprio? O que fazer quando alguém se separa ou é abandonado, por culpa própria ou não, de alguém de quem gostava muito?
Praticamente em todas as pessoas que a nossa Conferência Vicentina e as outras Conferências acompanharam e acompanham, encontram-se alguma destas, ou doutras formas de "morte".
Nunca mais me poderei esquecer de uma pessoa que acompanhamos e que resolveu pôr termo à sua vida. Tinha muita dificuldade em organizar a sua vida com juízo. Gastava o que ganhava na bebida e no convívio com os "amigos", não assegurando, como era seu dever, a subsistência da sua família. Por isso, a mulher acabou por se separar dele. Da nossa parte, tentamos ajudá-lo arranjando-lhe uma habitação e trabalho mais por perto, mas foi-nos impossível conseguir que ele endireitasse a sua vida. Um dia fomos encontrá-lo morto em casa, depois de se ter suicidado. Não sabemos por que o fez. Sem querer descartar a culpa que poderemos ter de não termos feito por esta pessoa alguma coisa que estivesse ao nosso alcance, tenho para mim que pode ter contribuído muito para este suicídio o facto de, uns dias antes dele o ter cometido, este senhor ter sabido que a sua mulher tinha partido para Espanha com outro homem. Tudo dava a entender que, apesar de todas as asneiras que fez, ele continuava a gostar muito dela. Saber que a tinha perdido definitivamente, foi uma morte para ele.
O abandono por parte de pessoas de quem gostamos, o perdermos um trabalho que era o nosso sustento material e psicológico e saber que não o poderemos recuperar, o deixarmos de poder de cuidar de nós próprios como deve ser e de não ter quem nos ajude, são situações que "matam".
Embora muito diferente e muito distante do caso atrás relatado, mas indo àquilo que me parece essencial nesse e noutros casos de "morte" quando se continua vivo, não resisto a resumir aqui o belo testemunho que uma senhora de 52 anos relatou, há dias, nas páginas do Washington Post sobre a forma como lidou com o processo de demência em que entrou o seu marido de 75 anos. As situações e as possibilidades das pessoas não são todas as mesmas e, por isso, não há aqui o intuito de dizer que a opção que esta senhora tomou é a que toda a gente deve tomar em casos parecidos. Esta senhora resolveu, ou parece que não tinha outra alternativa senão cuidar do marido em casa. O que achei mais interessante neste caso é a forma como o fez. Quando os sinais de demência do marido começaram a surgir, ela fez uma lista das actividades que os dois gostavam de realizar em conjunto, a saber: tomar chá de manhã, fazer caminhadas, ver um determinado programa de televisão, à noite, e fazer uma viagem de um dia. Por isso, o que esta senhora fez foi manter, até onde foi possível, estas actividades que costumava fazer em conjunto com o marido. Claro que, à medida que o processo de demência se foi agravando, essa lista de actividades foi-se reduzindo, mas ela continuava com as que o marido podia ir fazendo, até que a morte o levou. A senhora termina o seu testemunho dizendo que ter feito isto a "salvou". O que ela queria dizer é que o ter feito o que fez por alguém de quem gostava muito e que perdeu, a salvou de não se arrepender, para o resto da sua vida, de não ter feito o que estava ao seu alcance para ajudar esse ente querido. Não o abandonou, ou passou para outros coisas que ela podia fazer por ele e com ele: o tomar chá em conjunto, todas as manhãs, o fazer uma caminhada, o ver um programa de televisão, o fazer uma viagem de um dia a algum sítio.
Cada um sabe de si e do que pode ou não pode fazer em situações destas, mas, certamente, alguma coisa é possível fazer quando alguém que nos é próximo "morre" de alguma maneira, embora continue vivo. Mesmo que não esteja ao nosso alcance fazer com que essa pessoa recupere a parte da sua vida que se perdeu, deve estar ao nosso alcance fazer alguma coisa para ajudar essa pessoa, sem a abandonar à sua sorte. Foi isso que "salvou" a senhora do caso atrás relatado..
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Américo Mendes