DA NOSSA VIDA
Pobres
Há dois anos que não a víamos. Voltou por se ver de novo em dificuldades. Em anos passados ajudámos na renda, quando a senhoria apertava. Acabou mesmo por ter de abandonar a habitação sob ameaça de tribunal, disse-nos agora.
São frequentes os casos de famílias, normalmente pequenas, que vão deambulando de casa em casa, quando os senhorios já não aguentam mais sem receber a renda. Em muitos casos vamos amparando, mas não podemos assumir mais que o razoável.
Aquela mãe, com dois filhos, nessa altura um pequenino e outro a entrar nos doze, conseguiu uns anexos onde tem vivido e pago a renda. Agora, com o descaminho da empresa de limpezas onde ganhava para viver, vê-se de novo procurando trabalho sem o qual não tem como pagar a renda e as restantes despesas: «o que me vale é o senhor padre, ninguém mais ajuda!»
Vamos-lhe dar para uma parte da renda mensal. Ela agradece, e concorda que assim se aquietará a senhoria. Tem firmadas esperanças que arranjará outro trabalho.
Vamos partilhando pequenas ajudas, consoante o que nos parece mais conveniente em cada caso. No que diz respeito às rendas, estas assumem um valor dominante a absorver os rendimentos mensais das famílias. São tão altas que levam tudo ou quase tudo. E as restantes despesas?
Há dias acolhemos por uma noite um senhor que não tinha onde pernoitar. Tivera de abandonar a pensão onde passara uns dias, e lembrou-se de nós, onde já estivera. Explicou que recebia o RSI, com um valor inferior a 200 euros.
Situações como esta não são novidade. Quem não tem casa garantida, como poderá viver com alguma estabilidade com valores semelhantes? Se não cobrem as necessidades básicas como poderão contribuir para a pretendida Inserção Social?
O tal senhor aproveitou para ficar mais uns dias, mas a situação não podia manter-se. Hoje ninguém confia em ninguém, e tudo se vê com um olhar míope. A prática da caridade tem de passar obrigatoriamente pelo coador legal que perturba a naturalidade das relações sociais. E porque é Duro não admira que não suavize a vida dos Pobres.
Mais pobreza
Com esta sementeira não admira que aumente o número dos pobres. Dar menos de 200 euros ainda que seja para os gastos de uma só pessoa, é transformá-la num pedinte ou num ladrão ou num sem-abrigo. Nunca terá meios para ter casa e habituar-se-á ao que a vida lhe oferece.
É preciso olhar para montante, para os primeiros anos de vida das pessoas que procuram o subsídio, e ver que vida tiveram. É preciso perder as peneiras e olhar com sentido prático para a vida. Sem ovos não se fazem omeletes; sem rendimentos suficientes não se pode ter uma vida inserida e útil à sociedade.
Padre Júlio