DA NOSSA VIDA
Fraternidade
Quando os Pobres são nossos conhecidos de há muito tempo, este muito tempo que não deu azo a que melhorassem a sua situação, basta recebermos deles um telefonema, num momento mais crítico, para estarmos prontos a ajudar, aliviando-lhes a cruz.
Enquanto ruminava um tema para esta crónica, o que por vezes precisa de tempo com paciência porque esse momento não é de inspiração fértil, como quando nos pomos diante do sacrário e o que comunicamos é simplesmente um "estou aqui", liga-me uma mulher, mãe de três filhas e avó de vários netos, que de longe a longe nos procura, esmiuçando os poucos euros de que dispôs para vários fins e os que ainda lhe faltam para não ficar a dever nada a ninguém: «Faltam-me cento e quarenta e dois euros, e não tenho onde ir buscá-los». Como mãe e avó que é, nunca lhe sobra nada do que ganha nos serviços domésticos que presta apesar da pouca saúde.
Ela não tem ficado sem resposta, e desta vez também não. E acrescenta: «Veja se pode mandar mais alguma coisinha porque não tenho em casa nada para comer», diz com voz embargada.
O Pobre precisa da ajuda de quem o pode ajudar. E quem o pode ajudar também precisa de ajudar. Antecipamos assim a fraternidade universal. Mas quem não o faz hoje, podendo e vendo o apelo que lhe é feito, ficará só; e não há nada pior do que uma solidão que não acabe.
De facto, todos fogem à solidão. Ainda que não procurem o Pobre para matar a sede de fraternidade, que em todos existe, aliviam-na nos outros do seu nível social, e que embora a não saciem, assim a disfarçam. É que a verdadeira e única fonte onde se sacia essa sede, é Aquele que sendo rico se fez Pobre para nos enriquecer na sua pobreza, nosso Irmão desde o princípio, Jesus Cristo.
Voltando aos nossos Pobres, é agora a nossa velhinha que de há una anos nos procura, a espaços irregulares, às vezes com mais de um ano de intervalo, outras vezes mais frequentemente. É o que tem acontecido ultimamente. Um filho que nada faz, a não ser criar-lhe problemas, ao que se vai somando a saúde em declínio, trazem-na com as facturas da água e da luz na mão e a botija do gás em casa, vazia, a precisar de ser substituída. Um vizinho trá-la cá, e na volta leva também alguma mercearia. Ainda não fui conhecer a sua casa no bairro social da cidade, mas terei de ir um dia. Sem essa visita, a comunhão fraterna está inacabada.
Outra velhinha que todos os meses visitamos: são os medicamentos abundantes, são alguns alimentos, é dar os passos que antes ela dava quando podia deslocar-se. De há dois anos a esta parte que o não pode fazer. Nós temos facilidade e vamos. Este mês ainda não nos ligou. Que se passará? Hoje mesmo vamos ver.
Padre Júlio