DA NOSSA VIDA
«Éramos felizes»
Esta é uma expressão dita e redita pelos nossos mais velhos, que também já ouvi aos menos velhos, quando falam nos anos de vida que passaram nesta que foi a sua casa nas idades da infância e juventude, alguns entrando pela idade adulta e, ainda, para aqueles que se fizeram Continuadores, o local onde exercem ou exerceram o seu trabalho. Entre estes últimos temos o Manuel Pinto que, entrado já nos noventa, vem quase todos os dias, durante breves horas, ocupar o seu lugar e ajudar os mais novos a despachar o correio, tarefa que foi a sua quando no activo. A expressão apontada vê-se-lhe nos olhos, pena é não podermos ver o que ele experimentou nos anos passados nesta Casa onde foi recebido, há 79 anos, por Pai Américo.
Como ele muitos outros… entre os quais tantos que já partiram para o lugar da Vida plena.
Para que isto tivesse sido possível, foi necessário que alguns grãos de trigo tivessem morrido para si mesmos, e confiassem que dariam fruto a seu tempo. Estes grãos foram os Padres, as Senhoras e os Rapazes que assumiram a dedicação aos outros Rapazes como a consagração da sua vida. Obviamente que não podemos deixar de valorizar todos os que também confiaram e partilharam com algo de seu, que alimentou esta magnífica seara do trigo e do joio, onde o trigo deve crescer e o joio se deve transformar. Por último e em primeiro lugar, o Espírito inspirador e impulsionador, gerador do ânimo que de nenhuma outra fonte pode vir.
Para que este «éramos felizes» tivesse sido, para além dos elementos humano e divino, necessitou também de um ambiente adequado e de um modo de viver inspirador. Foi a Aldeia dos Gaiatos, com uma quinta de campos agrícolas e árvores de toda a espécie, a escola e o trabalho a par, as casas como o lugar do repouso e de proximidade, o refeitório para refazer as forças e congregar alegrias, a capela como o lugar da interioridade e da projecção da vida para além do tempo. Tudo isto que foi, para quem verbaliza esta expressão, são lugares onde a memória reproduz vivências e abre no coração espaço à saudade e a um viver de novo, diferente.
Tudo isto foram Valores: A entrega e a partilha da vida, os horizontes sem medida, a natureza sempre à mão, o esforço útil e comunitário, a aprendizagem intuitiva e reflexiva, o pão sempre à mesa para todos, tendo Deus como base da vida. Liberdade, responsabilidade, fraternidade, em crescendo a serem assumidos e desejados por todos.
Este foi um caminho onde, dia após dia, se experimentou a alegria de viver.
Agora que chegamos ao ponto no tempo, onde se contam 80 anos, a Casa do Gaiato de Paço de Sousa sente saudade dos seus Filhos e dos seus Pais e Mães, dos seus Amigos, e espera de Pai Américo a sua ajuda porque, como disse, «a minha obra começa quando eu morrer»; e nós cremos que sim.
A nós compete-nos seguir as pisadas dos nossos predecessores, e manter viva a expressão em todos os dias: «éramos felizes».
Padre Júlio