DA NOSSA VIDA

De, para, pelos Rapazes

O ritmo e as ocupações quotidianas dos nossos Rapazes, tal como do comum das pessoas, foi mudando ao longo dos anos e é hoje muito diferente dos que se tinham há 80 anos, aquando da criação da nossa Obra.

Na sua essência, o lema que mais se destaca na pedagogia da Obra da Rua é «Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes». Mas, com estas mudanças na estrutura da vida do dia a dia ao longo dos anos, o lema continuou a manter-se firme como seta apontando o caminho a seguir, como substrato dinamizador da vida individual e comunitária, embora com menos oportunidades de se concretizar visto que os Rapazes passaram a estar grande parte do dia fora de Casa, ocupados nas escolas, principalmente.

Nunca este lema deixou de se aplicar, sempre o lugar de destaque pertenceu ao Rapaz, de modo a que nunca o «estranho» à Obra viesse ocupá-lo. Na vida toda de cada Casa, tudo aquilo que pudesse ser assumido por Eles nunca deveria sê-lo por «estranhos».

Continuamos a manter este espírito na vida da Obra, e sentimos que não são as mudanças na forma de ocupar o tempo que podem apelar a uma mudança de valores. Este, de o Rapaz ser senhor da sua Casa, de viver feliz nela como peixe na água, é um consolo que lhe enche, inconscientemente, a vida e lhe dá a estabilidade psicológica e afectiva, fundamentais para o seu crescimento equilibrado.

Tal como no tempo de Pai Américo, a sociedade, em geral, reduzia a nada as capacidades dos rapazes da rua, de atingirem a etapa do cidadão adulto, integrado e útil, eles, que eram o fruto do correspondente meio em que viviam e do desprezo a que eram votados, encontraram em Pai Américo alguém que acreditou neles, na riqueza da alma do Rapaz, um terreno cheio de potencialidades que o levou a prosseguir sempre no sentido de lhes dar a primazia na construção da vida pessoal e da comunidade. Quando, em Moçambique, nos seus anos de despachante alfandegário, admirou-se com as potencialidades demonstradas pelos jovens nativos formando uma orquestra musical, orientados pelos frades franciscanos. Certezas que a vida lhe impôs e que perduraram pela sua vida fora.

Nós, hoje, somos confrontados com o aconselhamento de reduzirmos o carácter de destaque dado aos Rapazes na vida da sua Casa do Gaiato, atirando-os para segundo plano, pretendendo com isso defender os seus direitos e a sua segurança, o que, pretensamente, corresponderia a pô-los em primeiro lugar. Para tal, usam-se métodos que, de facto, não fazem mais que coartar a sua liberdade, que é devida a todos na proporção da sua responsabilidade, obtendo-se, creio eu, o efeito contrário porque, como dizia Pai Américo, não se fazem homens de rapazes domados e, como referiu o nosso Pe. Manuel no pretérito número d'O GAIATO, citando as suas palavras, «antes quero a derrota da confiança do que o triunfo da vigilância». A primeira conduz à responsabilização e relações sadias, a segunda conduz à falsidade e à hipocrisia. Este é um princípio que podemos classificar de universal em tudo o que diz respeito às relações humanas.

Sendo Eles a reinar na sua Casa, conscientes do bem comum, serão artífices de um mundo melhor.

Padre Júlio