DA NOSSA VIDA

Samaritanos

Aflige-nos ver tantas necessidades nos Pobres do nosso tempo, dentro e fora de portas, e simultaneamente tantas barreiras a impedir a acção de quem os quer ajudar.

Lá fora, são às centenas os que morrem afogados no Mediterrâneo, vítimas das suas carências e do seu sonho de conquistarem uma vida materialmente paradisíaca, comparada com a que experimentam nas suas terras de origem; são também às centenas os que, embora escapando aos naufrágios, ficam retidos à espera que alguém os «adopte», ou vão deambular em busca de uma oportunidade…

Cá dentro, como consequência da desorientação da vida familiar e social, dá-se azo a que algumas famílias não cumpram a sua missão de integração dos seus membros no tecido social, fragilizando-o com as derrapagens destes para a marginalidade; e tantas vidas que não chegam a ser membros do corpo social, pelo uso de uma falsa liberdade de quem os concebe… Cabe aqui uma pergunta: Daria algum filho, a quem a sua mãe deixou viver, o direito de que tivesse optado por que não vivesse?

Ainda que hoje houvesse homens como aquele que não fechou portas a Pai Américo por força da lei, antes a aplicou com sabedoria em vista do superior interesse dos Pobres, colaborando no verdadeiro interesse comum, não se vê que pudessem agir em consciência, livre e responsavelmente, pois estamos num tempo em que denunciar anonimamente ou denegrir com falsos testemunhos alguém, acolhe mais crédito que a palavra dada e o testemunho de vida traçados na rectidão, afastando assim, por decisão própria, quem estaria vocacionalmente apto para contribuir valiosamente para o bem comum.

Lamentavelmente sou levado a pensar, por vezes, que mais felizes são os Pobres que se encontram em situações ainda não vinculadas pela ordem legal. Esta, existe para os proteger, sem dúvida, mas por vezes é aplicada diminuindo-lhes as possibilidades de serem auxiliados nas suas necessidades ou de os colocar em lista de espera.

Ainda há situações em que a família alargada responde a necessidades que aparecem no contexto familiar. Esta resposta, talvez a mais próxima do conveniente para os que carecem de ajuda, está também em perda desde há muito tempo. Nos casos em que não seja possível este modo de acolhimento, convém que a solução lhe seja próxima, sem forçar a disponibilidade de quem tenha condições para o fazer.

Como as coisas mudaram! Chegamos ao tempo em que não se pode proceder como o samaritano do Evangelho. Como!? É verdade: se a história se passasse hoje, o samaritano teria de chamar os serviços públicos de saúde… Nada poderia aplicar no corpo do homem ferido, sob pena de realizar algum acto médico… A não ser que o samaritano fosse um profissional de saúde devidamente habilitado.

Em todos os serviços aos Pobres, são estes os critérios exclusivos? Restará então dar esmola ou dar de comer (ainda que tudo dentro do prazo). Não está fácil para quem não é técnico. Mas como disse Pai Américo - «técnico é aquele que ama». O samaritano amou…

Padre Júlio