DA NOSSA VIDA

A Carmo

Escrevo estas notas no dia em que volta à terra o corpo da nossa Maria do Carmo, a quem a doença marcou ao longo da sua vida. Foi doente no corpo mas não no espírito, Foi nesta condição que viveu muitos anos no Calvário, onde foi acolhida e acolheu, com singular afecto, os que nele viviam e, entretanto, se lhes juntar

Da sua nenhuma capacidade física nada havia a esperar, portanto, mas da sua capacidade intelectual, embora também limitada, muito foi criando e encontrando soluções para as tarefas mais simples da vida familiar, como é a do Calvário, orientando as suas companheiras, também limitadas nas suas capacidades.

Ela foi uma das doentes retiradas da sua Casa, há cerca de 5 anos, de forma abrupta e inconsciente, por quem, oficialmente, dela e de muitos outros, é responsável. Ninguém lhe perguntou se queria sair de sua Casa e ir viver para outra, pois consideraram que se impunha essa mudança porque vivia sem as condições materiais indispensáveis. Se lhe tivessem perguntado, negá-lo-ia perentoriamente. Os pobres não procuram riquezas nem gostam que os tratem como diminuídos, nem se satisfazem com exterioridades espampanantes. Procuram a paz e o suficiente para poderem continuar a viver, numa vida familiar partilhada.

Ela era, na prática, a mãe de todas as outras doentes. Diariamente era visitada por senhoras amigas vindas de fora, que procuravam e encontravam, nos residentes do Calvário, a pacificação do seu íntimo. Iam para receber, mas também deixavam a fraternidade que os desvalidos anseiam. Como era importante a Maria do Carmo para a vida do Calvário? Quem o pode compreender?

Por força das regras sociais, o Calvário viu-se obrigado a mostrar outro rosto. E fê-lo. Em Roma sê romano. Mas muito tem a fazer para que a plástica não mexa com o sentimento e o espírito do primeiro Calvário que inspirou Pai Américo e Padre Baptista a acolhê-lo naqueles cuja vida roça as dores humanas redentoras.

Poucos dias faltavam para que a Maria do Carmo regressasse a sua Casa. E regressou, hoje, mas não mais para cuidar das suas irmãs, doentes como ela, mas para viver feliz na outra Casa que não está sujeita às contingências do tempo e dos homens, que é a Casa onde habita Deus com os Seus filhos.

A sua memória vai perpetuar…; que fique, entre nós, pelo menos, o tempo necessário em que nos pode ajudar a vermos a vida com olhar verdadeiro e a pugnar pela Causa da vida humana, independentemente das suas condições, e tudo fazer para que sejam dignas, materialmente e espiritualmente, até ao reencontro na Casa para onde partiu.

Padre Júlio