DA NOSSA VIDA
Naturalmente
Já tinha saudades de termos na nossa Comunidade de Paço de Sousa mais do que um gaiato ainda pequeno. Ao que já está connosco há uns três anos, veio juntar-se, ainda que provisoriamente, um segundo rapaz que esteve cá a passar 15 dias. Em finais do ano passado, o mesmo teve a possibilidade de ficar cá, mas a indecisão sua e dos familiares fez com que não ficasse. Agora que estamos em conversações com a Segurança Social para acertar agulhas, isto é, para prepararmos a satisfação a algumas exigências da lei que não tem em conta o que somos e como vivemos, não nos é dada a possibilidade de acolhermos rapazes neste período, o que lamentamos profundamente. O serviço dos Pobres de qualquer carência, na Caridade, é o sentido que está na base da existência da Obra da Rua. O acolhimento dos rapazes sem família, constituindo com eles uma família, é só uma das vertentes da vida da nossa Obra, que agora tem menos expressão entre nós devido à redução do número de rapazes que de nós carecem, comparativamente com o passado, embora muito necessário noutras terras, como em Angola, onde fazem falta mais Casas do Gaiato para além das existentes em Malanje e Benguela, a servirem no limite das suas capacidades.
Apesar do destaque dado aos mais pequenos, porque dão mais vida à vida da Casa do Gaiato, tal como em qualquer família, temos os mais crescidos, que vão prosseguindo no seu crescimento e formação, entreajudando-se como lembra o nosso lema: «Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes».
Voltando ao rapaz que por aqui andou estas duas semanas, agora já tinha vontade de ficar. Mas não só ele, também os familiares ao suplicarem para o recebermos. A situação legal não o permite, pelo que temos de contrariar a nossa vontade e convicções, dizendo-lhes que não é permitido.
Entretanto, foi muito agradável tê-lo connosco, porque também as bicicletas desenferrujaram, alguns arranhões fizeram com que a caixa de primeiros socorros tivesse utilidade e algumas picardias os pusesse em disputas no jogo da bola. Para além das brincadeiras, foi a aprendizagem que a nossa organização revela, no contacto com os nossos métodos, que, para ele e para nós, irão deixar saudades.
As normas que a lei impõe, aplicando uma bitola igual em todas as situações, não tendo em conta as realidades que se diferenciam pelo espírito que as anima, empobrece os indivíduos e a própria sociedade. Talvez que a boa vontade e desejo de protecção que procura atingir, esteja a entorpecer e a reduzir o espírito de iniciativa que as idades infantojuvenis não desejam. Proteger sim, mas sem obsessões de vigilância e respeitando a natureza das coisas, que pede confiança. Quando não se respeita a natureza, mesmo no mundo do humano, temos à vista as consequências no que a realidade dos outros «reinos naturais» nos tem mostrado.
Padre Júlio