DA NOSSA VIDA
Os Pobres chamam de todos os lados.
Redenção
Fui visitá-la. Há alguns anos que não nos procurava para pedir ajuda. Combinamos o dia em que lá iria. É num anexo que vive, lugar diferente do anterior que era uma habitação num prédio modesto. Os dois filhos já são crescidos, um adolescente e um jovem.
Esperava-me com um dos braços em posição de a aliviar das dores permanentes que sofre. Retirou um peito, mas a cirurgia não foi eficaz e deixou-lhe mazelas que tem de ir corrigindo.
Tem a renda atrasada e ninguém se condói dela. A minha presença foi observada por alguém que, sem entender a minha passagem por ali, acelerou as represálias contra a família devido à dívida, cortando-lhe a luz, cujo custo é parte da renda mensal: — No dia seguinte ao senhor padre cá estar, cortaram a luz. Não bastava as dores físicas para se lhes somarem a escuridão nocturna e o frio. Soube desta situação quando lhe fui levar o cheque para pagar um mês de renda. As lágrimas rebentaram-lhe e alguns dos meus pecados foram lavados. Nada mais verdadeiro que as lágrimas autênticas dos Pobres.
Os Pobres chamam de todos os lados. Nós atendemos e havemos de atender outros mais, aqueles que não chamam mas que existem, vivendo a penúria.
A Obra tende a confirmar-se na sua génese, serviço de Caridade, desinstitucionalizado.
Muito gostariam de nos ver metidos na caixa, formatados pelos critérios do mundo. A nossa vida tem como critério a liberdade, que nos foi dada por Quem nos enviou e envia. Só o sim ou o não, sem o talvez e, muito menos, sem o depende. O pedido do Pobre é uma ordem que nos é dirigida, como se recebida do Senhor. E tendo-a realizado, não fizemos mais do que devíamos fazer, quais inúteis servos.
A perfeição está em tudo cumprir, seja o que for que nos é pedido. Quem sofre a pobreza e a dor, leva em si o que falta à pobreza e à dor do Menino entre nós.
Não me sai da memória aquele casal com seu filho bebé no meio da guerra, que a TV transmitiu entre muitas outras, e incomparavelmente mais dolorosas. Enfeixado em panos nos braços ora do pai ora da mãe, impôs-se-me subjectivamente, qual imagem do Presépio que me atraiu e assaltou.
As guerras existem quando não há Justiça. Onde ela falta, estando ou não a guerra declarada, a luz do Presépio é a única esperança para que haja vida.
Padre Júlio