DA NOSSA VIDA
Ajudar
Este tempo invernoso, frio e húmido, que tem dominado nos primeiros meses do ano, aliado à nossa maior disponibilidade para respondermos a outras situações de abandono, que não as habituais, pela escassez destas que nos enchiam a vida, abrem um espaço no nosso coração para aqueles irmãos nossos que sofrem sozinhos as inclemências do tempo, às quais se soma a sua pobre actual condição de vida. São os chamados sem abrigo, cujas carências estão muito para além dessa que os denomina socialmente.
Graves são as causas que empurram estas pessoas para esta vida marginal, como grave é a responsabilidade que cai sobre as nossas cabeças ao vê-las caídas nas estradas da vida e não lhes acudirmos. De facto, a história da parábola do Bom Samaritano repete-se e impõe-se aos olhos de todos, provocando, nos que passam, reacções semelhantes à do sacerdote e do levita da parábola, e, minoritariamente, à do samaritano.
A Obra da Rua é da rua, foi de lá que vieram grande parte dos diamantes que Pai Américo lapidou e poliu, e devolveu à sociedade, devidamente capazes de se integrarem e serem seus membros úteis e pessoalmente realizados.
O tesouro das ruas, dos nossos dias, conhecido mas pouco amado, interpela quem passa. Temos estado mais do lado da prevenção, para evitar que alguns caiam nessa marginalidade, como em situações em que a vida recomeça depois de ter estado aprisionada.
Nem sempre fomos eficazes, e os resultados nem sempre foram positivos. Para tal terão contribuído impulsos perversos ou adquiridos, influências para o mal ou até mesmo pseudo-ajudas. Mas, na história de cada um, vão gravados os altos e baixos vividos.
Para nos movermos neste terreno, preocupa-nos o rigorismo que impera sobre as obras de bem-fazer com carácter social. Certamente que é preciso garantir que o serviço prestado é humanamente digno, mas não devem entrar aqui interesses económicos ou estatísticos. Ao vermos esta pobreza a gritar silenciosamente por ajuda, deve estar no centro das preocupações o interesse dos que a padecem. Recordo uma experiência que Pai Américo pensou concretizar, de fazer um estabelecimento de restauração gerido e servido pelos seus rapazes, mas de que desistiu ao prever a entrada das exigências fiscais. Trabalhar para quê e para quem?
A história da parábola do Bom Samaritano levanta hoje questões que no tempo de Jesus não se punham, tal como até há não muitos anos. De facto, os caídos nas nossas ruas são objecto dos samaritanos de hoje, em quem o vinho, o azeite e a montada, usados pelo Samaritano, adquirem outra dimensão. Não pode, no entanto, perder-se a compaixão na proximidade, a confiança, o bom senso e a simplicidade, que hoje escapam às relações humanas.
Padre Júlio