DA NOSSA VIDA
Dar vida
Gosto de receber a visita dos Gaiatos mais velhos que, especialmente no Verão por nele terem as suas férias, vêm matar saudades da nossa Aldeia, revendo os espaços que lhes ficaram impressos na alma.
O último que nos visitou, estava de tal modo preso às imagens da sua experiência de vida passada connosco, que questionava convictamente porque fazerem-se novas construções ou modificações nas existentes, para no fim terem a mesma função.
Compreendemos que não queira perder a ligação com os espaços que usou no seu tempo, que conservam vivas as suas raízes aos lugares que pisou, lugares significativos na linha da construção da sua vida.
Compreendemos como é insatisfatório sentir o vazio que um espaço modificado, agora diferente daquele onde crescemos e vivemos e, eventualmente, deixamos parte da nossa doação aos outros, sejam lugares que já não encontramos nem nos sintonizamos.
Estas são realidades que acompanham toda a mudança. E que dizer da componente humana?
Penso nos povos envolvidos nas actuais guerras, em que todo o seu país, com as suas construções e ordenamento, é reduzido a imagens de morte. Como será doloroso abrir os olhos em cada novo dia e sentir também a falta dos que, pouco tempo antes, estavam vivos a nosso lado!
É claro que a guerra exponencia o valor que se dá à vida. Porque acontece o contrário quando domina o autoconvencimento de que somos senhores dela?
Os nossos Rapazes mais velhos apreciam muito os espaços físicos da nossa Casa, mas ainda mais se encontrarem nela outros que lhes fariam lembrar os companheiros do seu tempo. O elemento humano da nossa Aldeia, agora muito mais reduzido, aumenta-lhes a nostalgia pela pujança da vida no seu tempo. Nós, mergulhados nela a tempo inteiro e conscientes da realidade presente, vamos procurando cumprir a nossa missão respondendo às necessidades e carências dos pobres, daqueles a quem podemos chegar, dando-lhes também lugar no meio de nós.
Foi precisamente desde o ano de 2007, ano em que a nossa Escola fechou por insuficiência de alunos para se manter em funcionamento, que o aborto passou a ser legal. Mera coincidência, certamente… Mas foi a partir daí que o número de rapazes nas nossas Casas começou a diminuir, para o que contribuíra já o grande escândalo nacional de há 5 anos antes — o processo Casa Pia.
Presentemente, assistimos a outro escândalo, este mundial, com a mortandade de crianças no Médio Oriente. Não só as que foram mortas, cerca de 15 mil, mas também as que são vítimas de morte lenta pela fome. No nosso país, o mesmo número, 15 mil, é o da média anual das que são impedidas de nascer. Quem se escandaliza? 250 mil desde que a lei foi aprovada. Será que só entramos em choque quando sentimos na pele ou ficamos envolvidos nas situações?
A Casa do Gaiato tem a Porta Aberta para continuar a sua missão materna — dar vida onde ela é desprezada.
Padre Júlio