DA NOSSA VIDA

Uma luz se acendeu

A vida é um dom de Deus. Um dom que é dado para proveito de quem o recebe mas também para proveito daqueles em quem Deus pensou virem a receber dele.

Escrevo estas palavras a pensar na D. Emília, que recentemente nos deixou, ao fim de 90 anos multiplicando em tantas partes quantas as necessárias o dom recebido, para que cada um, na sua circunstância, tivesse o seu quinhão.

Antes de tudo, como esposa do tão querido da nossa Obra, Júlio Mendes. Ele que pronunciava a expressão Pai Américo cheia de conteúdo e de certeza, enchendo a sua vida e a da sua família, e se tornou a origem do sentido do seu caminhar, ao encontro dos pobres e da comunicação da Obra em todos os meios e lugares. Pai Américo foi nele Pai, conselheiro e mestre da vida.

Depois, como mãe, dos seus e de outros sem mãe. Muitos destes ficaram marcados pela sua palavra e pelo seu acolhimento, embora alguns a tenham feito sofrer como tantas vezes acontece com os filhos gerados. Deus deu-lhe o dom da maternidade, segundo a natureza em que Deus é Criador, e segundo a adopção, aceite e empenhada. Como toda a mulher que é verdadeiramente mãe, não rejeitou nem evitou espalhar o sopro de vida materno.

Ainda, como confidente, nas situações de dificuldade que lhe levavam, sempre um sorriso e uma palavra amiga e a certeza da oração eficaz.

Viveu uma vida autêntica, alicerçada na Verdade. Suportou as provas e manteve-se firme na coerência de quem crê e de quem espera. Os pobres tiveram sempre lugar no seu coração, mesmo quando algum desnorte ou insensatez pautava as suas vidas ou comportamentos.

A inquietação lia-se nos seus gestos e olhar. Era inconformada, como se nada estivesse concluído. Faltava sempre algo mais para fazer, para se atingir a realização devida, como se a sua missão não lhe desse oportunidade de se abstrair da vida que a envolvia.

Creio que alcançou a realização plena da sua vida, aos olhos de Deus. Não desperdiçou as oportunidades que se lhe apresentaram de fazer o bem. Fez render o dom de Deus multiplicado pelas vezes que só Deus sabe medir. Teve a sabedoria das mulheres que escolhem «a melhor parte, que não lhe(s) será tirada».

Embora nunca tenha vivido dentro das paredes de uma das nossas Casas, quase diariamente passava, desde os tempos de noivado em que se sentou aos pés da cama de Pai Américo, estando ele doente, até ao dia em que deixou de poder passar, devido às limitações físicas próprias da idade. Nunca o seu espírito se alheou da vida da Obra da Rua, naturalmente mais da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, freguesia onde viviam, e Casa onde Júlio Mendes se ocupava diariamente. Era a segunda família de ambos e, depois dos filhos.

Pelo que foi e fez na Obra da Rua, foi inteiramente uma Senhora da Obra, partilhando com todas as outras, explicitamente Senhoras, os momentos de encontro humano, reflexão e retiro espiritual.

Percorreu, na sua vida, o Caminho que leva à Vida. Todos nos encontraremos lá, onde a vida não acaba, onde reina a unidade e a paz.

Padre Júlio