DA NOSSA VIDA
A grandeza do testemunho de vida de Pai Américo atravessa todas as diferentes posições pessoais e sociais das pessoas que o conheceram, nos seus anos de vida terrena ou posteriormente, é, como se costuma dizer, uma Figura cujo apreço é transversal a toda a sociedade.
Também a senhora Prof.ª Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, o manifestou por diversas vezes. Agora que chegou ao final da sua vida, não podemos deixar passar este momento sem lhe dedicar um espaço no nosso O GAIATO, sinal da proximidade que mutuamente existiu, reproduzindo o texto com que apresentou o livro Padre Américo - Páginas Escolhidas e Documentário Fotográfico, uma segunda versão do mesmo Título da iniciativa do nosso mútuo amigo Editor José da Cruz Santos, em que faz alguns sublinhados a valores incutidos por Pai Américo na nossa Obra que podemos perceber terem estado também na linha que escolheu para conduzir a sua vida, outra espécie de "sacerdócio" exercido para a valorização dos seus alunos, multiplicada posteriormente na acção destes.
«BREVE APRESENTAÇÃO - Estas palavras destinam-se em especial àqueles que nasceram depois de 1956 e que podem, porventura, conhecer vagamente a figura e a obra do Padre Américo, ou, o que é pior, ter dela a imagem desvirtuada que alguns hoje ousam traçar. E isto, não obstante a existência de biografias e mesmo teses de doutoramento que, entretanto, se têm publicado.
Que a sua acção causasse estranheza no tempo em que ela principiou a fazer-se sentir não seria motivo de espanto. Fazer o elogio da educação por meio do trabalho numa sociedade que genericamente tinha (e tem) por ideal o lazer, era uma atitude difícil de aceitar. O próprio tinha disso noção clara quando escrevia, por exemplo "Tem-se escutado aos ignorantes um reparo muito severo à nossa organização com estas palavras textuais: 'Fulano diz ser muito amigo dos rapazes mas obriga-os a trabalhar.' [...] Ora a razão da minha amizade por estes rapazes consiste em levá-los mansamente ao gosto pelo trabalho e, uma vez assim afeiçoados, eles mesmos, por suas próprias mãos, tomam-no alegremente de sol a sol. Pode ser que mais tarde eles venham a conhecer as oito horas de trabalho. Hoje, aqui em casa, conhecem e praticam horários mais altos."
Essencial era também a noção de responsabilidade, a participação em vez de obediência cega e observância de normas rígidas: "Desejamos dar à Casa do Gaiato a feição de casa deles, para eles, governada por eles. É uma concepção de assistência inteiramente nova e altamente revolucionária, que foge à rotina clássica dos agentes de vigilância, nas congéneres obras sociais [...] Não queremos diminuir a sua personalidade, mas sim valorizar."
E, como referência doutrinal, uma única: "Nós não temos um sistema. O nosso compêndio é o Evangelho."
As citações deste género poderiam multiplicar-se. O leitor encontrará estas e outras ao longo das páginas desta antologia. Mas o que não menos vai surpreendê-lo e atraí-lo é a flexibilidade de uma escrita que, da expressão solene de uma doutrina profundamente vivenciada, passa subitamente, com graça e naturalidade, à linguagem fluente e até coloquial do dia-a-dia nas Casas do Gaiato, em que os rapazes se servem e se ensinam uns aos outros, se entusiasmam com a criação dos animais da quinta que lhes estão confiados e, quando erram, se submetem à correcção fraterna e aprendem a libertar-se da asfixia moral
da mentira. Espontaneidade, graças, habilidades, por vezes reincidências, há de tudo nestes pequenos quadros que se sucedem com encanto e frescura.
Mas não foi só a Casa do Gaiato e o Lar que a continuava na cidade, quando eles atingiam a idade de obter um emprego, foram também as casas construídas com o lema de Património dos Pobres, e não menos o Calvário, para recolher doentes pobres incuráveis, que o notabilizaram aos olhos do País. Veículo disto tudo era o jornal "O Gaiato", que se lia com avidez; eram as práticas nas igrejas; as visitas aos bairros miseráveis. Pode afirmar-se que todas as classes sociais o conheciam e que a admiração era geral.
Por isso não surpreende que a notícia do acidente que o vitimou tenha desencadeado manifestações de dor em todos os lados, e muito em especial na cidade do Porto, que havia acolhido e acarinhado como sua a Obra de Paço de Sousa. Disso foi prova irrecusável a afluência da multidão em frente ao Hospital onde esteve internado e depois na celebração das exéquias. Gente, insistimos, de todos os quadrantes, pois, ao lado dos mais humildes, não faltavam os Professores da Universidade do Porto que, aparecendo revestidos das suas togas - ritual que é exclusivo dos actos académicos -, prestavam assim um testemunho solene que não significava ostentação, mas devoção ao Apóstolo do Bem.
É ocasião de renovar, nesta passagem do 121.º aniversário do seu nascimento, a homenagem a tão alta figura. E nada o poderia fazer tão bem como esta reedição da Antologia, que continua cheia de ensinamentos e actual como nunca.
Maria Helena da Rocha Pereira»
Padre Júlio