DOUTRINA

Com linhas da vida do Pobre também se borda a matiz

Eu entrava na Livraria do Castelo onde alguém me convidou para almoçar: «Não se esqueça, ouviu?; é no dia xis deste mês».

Ouvi e fui-me embora a dizer baixinho: - Tem graça, é o dia dos meus anos!

No dia e hora marcados, estava. Havia mais duas pessoas além da minha, todos amigos.

- Com que então, vem passar os seus anos a minha casa!

- Como é que soube? Quem foi que lho disse!?

Foi meia hora de Betânia! No final apareceram as criadas que, longe de servas, mostraram ser companheiras e amigas da casa.

Trazem os presentes: catorze peças de malhas infantis, um pacote de bolos, um dito de rebuçados, uma lata de bolachas e uma carapuçada de notas. Isto tudo para mim, naquele dia. E o que não tem sido noutros! E o que não é para muita gente, em muitas ocasiões, saído do tesouro de quem me convidou?!

«Àquele que dá muito, muito se lhe dá», disse o Senhor.

O Marcolino veio a Coimbra, aviar recados; é o roupeiro da Casa do Gaiato. Passou um domingo na cidade e como ele é dos Olivais e digo ali a Missa às nove horas, levei-o mais eu. Estávamos na sacristia, a fazer horas para o Altar, quando entra um amigo e antigo companheiro da rua.

Olha para o Marcolino, mede-o com os olhos dos pés à cabeça e exclama, radiante: «Eh pá, tu estás bestial!»

Quem pode competir com a gíria do garoto, espontânea, alegre, triunfante?!

E mais nada até à semana que vem.

Eu gostaria de fazer obra bem feita, dar-te leitura de fundo onde aparecesse a regra, o conceito, a ordem, o termo adequado - mas de por mim, não sei. É o próprio Deus que me dá estas falas, das quais eu faço tiras de papel e com elas teço mantas de retalhos.

Pai Américo

Do livro Pão dos Pobres, 4.° vol., pp 209-210.