DOUTRINA
Espírito de Pobreza
Para irmos já direitinhos às coisas, convém elucidar que por «pobres em espírito» devemos compreender os homens que, não tendo fortuna, também a não desejam; ou que possuindo, não são possuídos dela; ou ainda os que, sendo de facto pobres, não se queixam do seu estado.
Daqui se conclui, desde já, que pobreza e miséria não são do mesmo sangue. Nunca o amor à pobreza gerou miséria em ninguém — nunca. O amor das riquezas — sim.
Espírito de pobreza quer dizer suficiência na comunidade. Não pode haver falta das coisas precisas à vida aonde reinar aquela fortaleza de pensamento e de realização.
Não há muito que eu fui a um hospital ver um doente a quem ofereci dinheiro para as suas despesas.
— Por enquanto não preciso. Não posso aceitar!
Por este «não posso» vê-se claramente quanta não é a força interior daquele enfermo, ouvinte fiel do Sermão da Montanha. E que bem fez à minha pobre alma observar a convicção que as Verdades Eternas geram nos homens de boa vontade! «Não posso aceitar!»
Mais: Há um senhor que recebe uma pensão, além de outros rendimentos próprios. Pois eu sei que este senhor faz contas todos os meses para distribuir naquele mês a pensão que recebe. Possui, sim, mas não se deixa amarrar. Outro ouvinte do Sermão da Montanha.
E que dizer daquela mulher do povo, que, duma vez, me veio contar a sua imensa alegria pela colheita d'azeite no seu olival?!
— Tive três litrinhos dele, livre a maquia!
O mundo podia ser assim. O mundo devia ser assim. A mãe-terra é fonte perene. O sol faz germinar. A Lei de Deus, promulgada no Sinai e explicada na Cruz, ensina a dar a cada homem o pão-de-cada-dia.
Discursos — sim. A fala foi dada ao homem. Ele nos banquetes. Ele nas assembleias. Ele nas sociedades de nações. Porém, tanto os que falam com os que escutam, se não estiverem devidamente preparados para a doutrina do Sermão da Montanha, constroem sobre bancos de areia.
Não basta uma qualquer preparação. É necessário muita reflexão porquanto as Bem-aventuranças são em tudo às avessas do que o mundo pensa e faz. Elas «canonizam de felizes os infelizes», como diz Santo Agostinho.
Um homem de pipas de azeite chama necessariamente infeliz àquela mulher dos três litrinhos - e quer mais pipas!
O espírito de pobreza domina o ser da Obra da Rua. Quem vier às nossas Casas, vê esse espírito pairar, orientar, vivificar a nossa Obra. Eis porque ela remedeia tanta gente.
Como...? Repartindo.
A verdadeira argamassa das obras sociais está no espírito de pobreza. Poupar, poupar, poupar. As pedras de elevação são feitas de confiança nesse mesmo espírito. A cúpula é a visão.
(...)
Do livro Notas da Quinzena, pp 75-77.
Pai Américo